Condenação confirmada de Lula e a espada de Dâmocles

Frederico Vasconcelos
O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Sob o título “Permanece a Espada de Dâmocles”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

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Quase dois anos após ter sido sentenciado pelo então juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sua condenação confirmada, no último dia 23 de abril, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os magistrados da Quinta Turma do tribunal consideraram, por unanimidade, que o petista é culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ao obter vantagens ilícitas da empreiteira OAS, como revelaram as investigações da Lava-Jato. Os ministros rejeitaram a alegação de que teria havido cerceamento da defesa e de que não haveria provas.

Os magistrados, no entanto, reduziram a pena do ex-presidente de 12 anos e um mês para oito anos, dez meses e 20 dias, o que abre caminho para a progressão de regime do petista para semiaberto em setembro, quando terá cumprido um sexto dessa pena.

Como responde a outros processos, Lula, que está preso desde 7 de abril do ano passado, ainda pode sofrer novas condenações, o que poderá mantê-lo na prisão —ou, caso tenha direito ao benefício, façam-no voltar para a cadeia.

A multa de Lula também foi reduzida pelo STJ, assim como o montante a ser pago a título de reparação de danos de R$ 16 milhões (que, corrigidos, chegam a R$ 29 milhões) para R$ 2,4 milhões. Esse é o valor do tríplex no Guarujá.

A Quinta Turma não analisou o mérito e manteve a condenação por considerar que não houve irregularidades no processo.

Aliás, os evidentes limites do recurso especial, à luz da Súmula nº 7 do STJ, impedem o reexame das provas.

Participaram do julgamento o relator, Felix Fischer, e os ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas. O ministro Joel Ilan Paciornik se declarou impedido porque seu advogado pessoal também defende a Petrobras, que é assistente de acusação no caso.

A defesa recorreu ao STJ contra a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Em novembro do ano passado, Fischer negou o pedido, mas a defesa recorreu novamente, levando o caso para julgamento na Quinta Turma. Ontem, o ministro reviu parte do seu entendimento para diminuir a pena.

Relator dos recursos especiais, o ministro Felix Fischer apresentou voto revendo parcialmente seu entendimento na decisão monocrática de novembro.

Segundo o ministro, em relação ao crime de corrupção passiva, não houve ilegalidade ou arbitrariedade na valoração negativa das quatro circunstâncias judiciais do crime pelo TRF-4 (culpabilidade, circunstâncias, motivos e consequências), considerando os milhões de reais desviados e o impacto para a estabilidade democrática do país, em razão das implicações eleitorais dos delitos. Todavia, o relator reduziu o patamar de elevação das quatro vetoriais do artigo 59 do Código Penal, fixando a pena-base pelo crime de corrupção em cinco anos, seis meses e 20 dias de reclusão.

Em relação ao crime de lavagem de dinheiro, Felix Fischer entendeu que merecia modulação a fundamentação do TRF-4 para valorar negativamente as circunstâncias e as consequências do delito. No caso das circunstâncias do crime, o ministro apontou que as manobras ilícitas descritas na ação penal são próprias do delito de lavagem de dinheiro, não sendo possível, no caso dos autos, concluir sobre a existência de sofisticação superior que justifique, nesse ponto, a elevação da pena.

Quanto às consequências do crime, o ministro observou que a motivação apresentada pela corte de origem carecia do necessário embasamento de fato e de direito, “não servindo, de modo suficiente, para o aumento da pena-base”. Assim, ele estabeleceu a pena definitiva por lavagem de dinheiro em três anos e quatro meses de reclusão.

Em verdade, a condenação, em sua dosimetria, afrontou aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Um dos pontos levantados pela defesa de Lula é o de que o órgão competente para julgar o caso é a Justiça Eleitoral. Isso porque o Supremo decidiu no mês passado que crimes como corrupção e lavagem devem ser julgados na Justiça Eleitoral se estiverem relacionados a caixa 2 de campanha.

Embora o petista não tenha sido condenado por caixa 2, a defesa alega que o processo menciona suspeitas de crime eleitoral ao sustentar que Lula teria liderado um esquema de arrecadação de valores a partidos políticos que custearia campanhas.

“Não há imputação alguma de autoria dos crimes eleitorais alegadas pela defesa. Muito embora suscite o agravante (Lula) um cenário hipotético eleitoral, a ação de usar dinheiro oriundo de crime em campanha eleitoral não é definida como crime eleitoral na lei. A competência da 13.ª Vara (Federal de Curitiba, que condenou Lula em primeira instância) já restou devidamente assentada, tendo sido amplamente analisada”, observou Fischer, que fez uma leitura resumida de um voto técnico de 170 páginas.

Fischer também avaliou que o TRF-4 “demonstrou claramente todos os contornos daquilo que se pode entender por ato de ofício”, em referência à alegação da defesa de Lula de que seria preciso mostrar um ato do petista como presidente da República em troca do triplex para que ficasse comprovado o crime de corrupção.

O ministro Jorge Mussi acompanhou o relator e disse que a jurisprudência do STJ e a do Supremo é a de que não se precisa de um ato de ofício para a configuração do crime de corrupção passiva. Mussi também rejeitou outro ponto levantado pela defesa, o de que o ex-presidente teria sido condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelos mesmos fatos no caso do triplex. “O tribunal não condenou o recorrente duas vezes pelos mesmos fatos, pois demonstrou a autoria dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro”, afirmou Mussi.

Como bem disse Merval Pereira, em sua coluna no Jornal O Globo, no dia 23 de abril, mesmo condenado em mais essa instância, Lula tem direito ao regime semiaberto por ter cumprido já 1/6 da primeira pena. A progressão de regime na execução penal, estabelecida na Lei de Execuções Penais, tem o objetivo de fazer com que o condenado retorne gradativamente ao convívio social.

No regime semiaberto, há Centros de Progressão de Pena (CPPs), que são presídios mais liberais, com menos seguranças.

Desde que autorizado pela juíza de Execuções Penais, Carolina Lebbos, o condenado tem permissão para sair durante o dia, desde que tenha um trabalho fixo e atenda a algumas exigências básicas, como o cumprimento de horários e constatação, através da apresentação de cópias de livros-ponto, de que ele realmente exerce a função.

Nessa situação, pode também receber permissão para visitar a família ou estudar. Tudo sob a fiscalização de representantes do sistema prisional. A permissão para trabalhar fora é uma alternativa encontrada pela Justiça para substituir o trabalho em colônias penais, ou industriais, como exige a lei.

Como em muitos estados não há instituições como essas, a Justiça tem permitido o trabalho fora do sistema penal, mas o condenado tem que voltar para dormir na prisão.

A redução da pena dá margem a comemorações de seus seguidores, mas a queixa principal, se houvesse motivo, deveria ser feita contra o Tribunal Regional Federal (TRF-4), que majorou para 12 anos e 1 mês a pena dada na primeira instância pelo então juiz Sergio Moro, que condenou Lula a 9 anos e seis meses, menos de um ano de diferença com a decisão de ontem do STJ.

Nesse intervalo, sua defesa tentará novos recursos, como insistir na prescrição do crime de corrupção passiva, já rejeitada novamente no julgamento de ontem do STJ.

A defesa diz que o crime se consumou em 2009, prescrevendo, portanto, em 2016, pois, por Lula ter mais de 70 anos, seu tempo de prescrição cai para seis anos, a metade do que determina a lei. Prevalece, no entanto, a tese da acusação, de que o crime de lavagem de dinheiro é permanente, e também que o crime de corrupção se consumou bem depois que a construtora OAS assumiu a obra do prédio.

Outra possibilidade é que Lula possa cumprir a pena em prisão domiciliar, caso o STF entenda que, por ter mais de 70 anos, deva receber esse tratamento. Mas essa alternativa foi imaginada pelo ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, quando era advogado de Lula, e não foi adiante por decisão do próprio, que se recusa a usar tornozeleira eletrônica.

Apenas se a segunda condenação de Lula for confirmada no TRF-4 e no STJ, ele voltaria para a cadeia em regime fechado

O princípio constitucional da individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição da República Federativa do Brasil, garante aos indivíduos no momento de uma condenação em um processo penal, que a sua pena seja individualizada, isto é, levando em conta as peculiaridades aplicadas para cada caso em concreto.

A aplicação do princípio da individualização da pena pode ser dividida em três etapas diferentes.

O primeiro momento é uma etapa que se chama de fase in abstrato. O legislador faz a aplicação deste princípio para elaboração do tipo penal incriminador, com a determinação das penas em abstrato estabelecendo os patamares mínimo e máximo de pena que poderá ser aplicado pelo juiz a cada caso concreto.

A segunda fase, a individualização judiciária, é o momento em que o juiz faz a aplicação do tipo penal ao ato que o acusado cometeu, verificando qual será a pena mais adequada, levando em conta as características pessoais de cada réu.

E a última fase, quanto à aplicação da sanção, é aquela em que o magistrado responsável pela execução da pena do apenado vai determinar o cumprimento individualizado da sanção aplicada.

Na matéria, observe-se o que determina o artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal quando prescreve:

A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

A Lei de Execução Penal brasileira (Lei nº 7210/84) possui como objetivo favorecer/articular, por meio da aplicação da pena, a ressocialização do condenado, para que este possa voltar à sociedade e conviver nesta sem cometer atos ilícitos novamente, prevenindo assim, a reincidência criminal.

De acordo com o artigo 112 da Lei de Execução Penal, “a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão”.

Nos casos de condenados por crimes hediondos, estes, terão que cumprir 2/5 da pena, se primários, e 3/5, se reincidentes, para ter o benefício da progressão, segundo o artigo 2º, § 2º da Lei dos Crimes Hediondos(Lei nº 8.072/90).

No caso de crimes contra a administração pública, como a corrupção, o condenado é beneficiado com a progressão de regime se, além de cumprir 1/6 da pena e ter bom comportamento, reparar os prejuízos causados aos cofres públicos.

São três os regimes de cumprimento da pena: fechado, semiaberto e aberto.

Se ao condenado, ainda que não reincidente, for aplicada a pena igual ou superior a oito anos, o regime inicial de cumprimento da pena será o fechado.

Poderá o regime semiaberto ser aplicado quando a pena aplicada não for superior a oito e inferior a quatro ano e o apenado não for reincidente.

Poderá ser aplicado o regime aberto quando não reincidente o preso e a pena não for superior a quatro anos.

O regime fechado é cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média, que é a penitenciária(artigo 87 da LEP). O regime semiaberto em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar(artigo 91 da LEP); o regime aberto será cumprido em prisão albergue, em casa de albergado ou estabelecimento adequado(artigo 93 da LEP).

O Supremo Tribunal Federal no HC 69.975, decidiu que “a fração de um sexto deve recair sobre o total e não sobre o restante da pena”.

No julgamento do HC 104.174, bem disse o ministro Ayres Britto:

“Com efeito, não se pode perder de vista o caráter individual dos direitos subjetivo-constitucionais em matéria penal; notadamente porque o indivíduo é sempre uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua condição de microcosmo ou de um universo à parte. Por isso é que todo instituto de direito penal – crime, pena, prisão, progressão de regime penitenciário, liberdade provisória, conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, por exemplo – há de ostentar o timbre da estrita personalização, quando de sua concreta aplicabilidade. Quero dizer: tudo tem que ser personalizado na empírica aplicação do direito constitucional-penal, porque a própria Constituição é que se deseja assim orteguianamente aplicada (na linha do “Eu sou eu e minhas circunstâncias ”, como insuperavelmente sentenciou Ortega Y Gasset). O que transluz da precedente lembrança do acórdão proferido no HC 82.959/SP (julg. cit.), em cuja ementa se lê:

“PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2º, § 1º,DA LEI Nº 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.”

E prosseguiu o ministro Ayres Britto naquele julgado:

“Cabe ao próprio Juízo da Execução, avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menos gravoso ” a fim de que seja respeitada “a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste, a esta Suprema Corte, mediante atuação ‘per saltum’ – o que representaria substituição do Juízo da Execução –, o poder de antecipar provimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em referência” (cf. HC 88.231/SP, decisão monocrática do ministro Celso de Mello, DJ 05/05/2006). Em igual sentido, vejam-se também: HC 96.853/RS, Primeira Turma, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, DJ 27/11/2009; RHC 91.300/DF, Tribunal Pleno, da relatoria da ministra Ellen Gracie, DJ 03/04/2009.”

Há a progressão e a regressão do regime.

A progressão é a transferência do condenado de regime mais rigoroso a outro menos rigoroso, quando demonstra condições de adaptação ao mais suave. A progressão soma um tempo mínimo de cumprimento da pena com o mérito do condenado.

É na sentença que o juiz define o regime no qual o condenado deve iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 33 do Código Penal.

Uma vez fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito, como se lê da Súmula 440 do Superior Tribunal de Justiça. De toda sorte, exige-se motivação idônea(Súmula 719 do STF).

A progressão de regime compreende os seguintes requisitos: a) 1/6 da pena nos crimes em geral; b) 2/5 nos crimes hediondos e afins cometidos a partir de 28 de março de 2007, quando o apenado é primário; c) 3/5 nos crimes hediondos e afins cometidos a partir de 28 de março de 2007 quando o apenado é reincidente.

Portanto, é de se aguardar os passos que já foram expostos com relação à situação por que passa o ex-presidente.

De toda sorte, vai por terra mais um argumento com relação a expressão presunção de inocência, que seria aferida diante de decisão condenatória do STJ, em que foi objeto de defesa pelo ministro Tóffoli.

Mantendo posição já defendida no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do pedido cautelar das ações que tratam sobre o tema, o ministro Dias Toffoli votou no sentido de que a execução da pena de prisão deve ocorrer apenas depois de o Superior Tribunal de Justiça analisar o recurso do réu contra a condenação mantida pela segunda instância.

Com isso, votou por conceder o habeas corpus preventivo pela defesa do ex-presidente Lula, em julgamento pelo plenário.

Toffoli propõe que execução da pena de prisão possa ser executada depois de decisão do Superior Tribunal de Justiça.

“Minha posição é de todos conhecida desde o julgamento das cautelares nas ADCs 43 e 44. Nem tanto ao mar nem tanto à terra”, afirmou. As ações pedem a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que proíbe a execução da pena de prisão antes do trânsito em julgado. Votou no mesmo sentido de Toffoli no julgamento o ministro Gilmar Mendes.

“O Recurso Especial, embora precipuamente voltado à tutela do direito federal, efetivamente se presta à correção de ilegalidades de cunho individual, desde que a decisão condenatória contrarie tratado ou lei federal, negue vigência a eles ou “[dê à] lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro tribunal”, lembrou Toffoli.