Disputa de terras se arrasta na Bahia e no CNJ

Frederico Vasconcelos

 

Ministros Gilson Dipp e Eliana Calmon, aposentados, e Humberto Martins, ex-corregedores e atual corregedor nacional de Justiça (Fotos: Alan Marques/Folhapress, CNJ e STJ)

O Conselho Nacional de Justiça divulgou, no final da tarde desta sexta-feira (26/4), que o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, encaminhou naquele mesmo dia ofício à conselheira Maria Tereza Uille Gomes, informando que a Corregedoria Nacional “já está apurando a disputa de terras em uma área de mais de 300 mil hectares no oeste da Bahia, bem como o envolvimento de magistrados do Estado”.

A conselheira, relatora de dois pedidos de providências sobre o caso, encaminhara ofício à corregedoria pedindo a apuração “por considerar que há indícios de contradições e inconsistências das matrículas dos imóveis e das informações levadas para o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)”.

Não ficou claro por que virou notícia uma troca interna de documentos. O ofício da conselheira foi enviado ao corregedor no dia 19 de março. Houve vários incidentes processuais depois desta data.

No ofício, a conselheira indagou “se não é o caso de a Corregedoria Nacional de Justiça promover inspeção ou correição nas unidades judiciárias que estão a examinar o conflito de terras que, há anos, se arrasta na região do Oeste da Bahia”.

Segundo a nota divulgada na sexta-feira, o ministro afirmou que “a Corregedoria está apurando há algum tempo as possíveis fraudes nos registros imobiliários e que já intimou o TJ-BA a se manifestar sobre a notícia de envolvimento de magistrados locais na manipulação e inserção de dados nos registros públicos de terrenos rurais para o desapossamento de mais de 300 agricultores da região de Formosa do Rio Preto (BA)”.

O corregedor lembrou à conselheira que “o próprio plenário já apreciou, em 14/3/2019, um pedido de providências anulando a Portaria 105/2015 do TJ-BA, determinando àquele tribunal que se abstenha de efetuar o cancelamento administrativo de matrículas imobiliárias”.

O processo envolve disputa antiga de uma propriedade que teria sido grilada ainda nos anos 1970 com base numa atestado de óbito, supostamente fraudulento, de uma pessoa que havia morrido cem anos antes do registro.

Há fortes interesses em jogo numa longa disputa que já registrou atos de violência, inventários irregulares, investigação policial, decisões judiciais desfeitas, servidores e magistrados sob pressão.

Segundo a nota do CNJ, “o caso é o de uma área de mais de 300 mil hectares, centro de uma briga judicial que se arrasta há mais de 30 anos, na qual um único homem, José Valter Dias, alega ser dono da área equivalente a quatro vezes o tamanho de Salvador, capital do estado, que tem menos de 70 mil hectares”.

Atuam como advogados no CNJ –em lados opostos– os ex-corregedores nacionais de Justiça Gilson Dipp e Eliana Calmon.

Dipp representa, junto com os advogados Rafael de Alencar Araripe Carneiro e Leonardo Lamachia, a empresa Bom Jesus Agropecuária Ltda.

Eliana advoga em nome de José Valter Dias e seu filho, Joilson Dias, que se apresentam como legítimos proprietários das terras.

Alguns fatos ocorreram depois do ofício remetido pela relatora ao corregedor nacional.

Em 21 de março, o presidente do TJ da Bahia, desembargador Gesivaldo Britto, enviou ofício à conselheira Maria Tereza Uille Gomes, formulando pedido de reconsideração do julgamento dos pedidos de providências, “por ausência de intimação da presidência do tribunal”, sob a alegação de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa”, “vez que é parte interessada e imprescindível a ser incluído no feito”.

O desembargador Britto pediu a anulação da decisão proferida pelo plenário do CNJ, com reabertura de prazo para que ele, “como representante maior do Conselho da Magistratura e do próprio Poder Judiciário Estadual, possa se manifestar sobre todos os argumentos aduzidos pela  Bom Jesus Agropecuária”.

O presidente do TJ-BA designou, em caráter excepcional, a juíza Eliene Simone Silva Oliveira, da 55ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais da Comarca de Salvador, para atuar, remotamente, nas comarcas de Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia, até ulterior deliberação, não configurando na lista anual de substituição.

No dia 11 de abril, a magistrada concedeu liminar determinando o bloqueio das matrículas 726 e 727 do cartório de imóveis de Formosa do Rio Preto, e de todas as demais delas decorrentes.

Determinou também a manutenção da matrícula 1037, do mesmo cartório, decisão tomada com força de mandado.

No dia seguinte, 12 de abril, Eliana Calmon enviou ofício ao presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, em que seus clientes suscitam questão de ordem.

José Valter Dias e sua esposa, Ildeni Gonçalves Dias, alegam que protocolaram petições em 25 de março, demonstrando a condição de terceiros diretamente interessados nos pedidos de providências cujo julgamento, realizado em 1º de março, “repercute de forma direta e imediata, em imóvel de sua titularidade”.

Afirmam, contudo, que a conselheira Maria Tereza Uille Gomes “se omitiu quanto ao pedido de ingresso de terceiros, bem como quanto à necessidade de intimação de novo julgamento, com reinclusão do feito em pauta”.

Eles pedem a Toffoli, entre outras medidas, que sejam admitidos nos pedidos de providências; que seja determinada a suspensão cautelar da decisão colegiada proferida pelo CNJ, até a repetição dos julgamentos após a habilitação dos requerentes e a regularização das intimações.

Requerem ainda que sejam anulados os julgamentos colegiados dos recursos administrativos.

Alternativamente, pedem que o processo seja devolvido à conselheira relatora, para que ela se manifeste sobre os pedidos de ingresso de terceiros.

Eliana Calmon diz que, se o pedido não for atendido, pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal em nome de seus clientes.