Criminalista faz defesa de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes

Frederico Vasconcelos
Ministros do STF Dias Toffoli e Alexandre de Moraes (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Sob o título “Em defesa do Supremo: Censura ou apreensão de instrumento do crime?”, o artigo a seguir é de autoria de Roberto Delmanto, advogado criminalista, co-autor do “Código Penal Comentado” (9ª edição, Saraiva).

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Criminalista há 52 anos, filho, irmão e pai de advogados da mesma nobre especialidade, desde cedo aprendi que o Judiciário deve ser respeitado. Afinal, é ele quem dirime os conflitos entre particulares, entre estes e o Estado, entre os diversos órgãos estatais ou, ainda, entre o Legislativo e o Executivo.

Se tal respeito é devido aos juízes de primeira instância, mesmo substitutos em início de carreira, o que dizer dos onze Magistrados que integram a Suprema Corte?

De tempos para cá – por razões de inconformismo político, radicalismo, vocação para regimes totalitários, anarquismo ou mesmo desfaçatez – o Pretório Excelso vem sofrendo ataques inomináveis, jamais antes vistos na história brasileira, principalmente através das chamadas redes sociais, que dão a muitos usuários, enganosamente, uma sensação de impunidade.

A Corte, como a maior instituição do Judiciário, tem sido objeto de graves e infames difamações (CP, art. 139), das quais, como pessoa jurídica, pode ser vítima, sendo atingida em sua honra objetiva, na sua reputação.

Seus integrantes são igualmente ofendidos por difamações e injúrias (CP, art. 140), estas, ao contrário daquelas, alcançando sua honra subjetiva, seu decoro ou dignidade.

Por serem os juízes funcionários públicos, tendo as ofensas sido feitas em razão de suas funções, e ainda na presença de várias pessoas e por meio que facilita a divulgação dos delitos, as penas cominadas são aumentadas de um terço (CP, art. 141, incs. II e III).

Com efeito, tais lamentáveis atos vêm ocorrendo não só através das redes sociais, mas também em locais públicos, como ruas, restaurantes e aviões, inclusive no exterior.

Outras ofensas, e até ameaças, por atentarem contra o Estado de Direito Democrático, tornam seus autores sujeitos a serem, em tese, responsabilizados pela Lei de Segurança Nacional, que continua em vigor.

Qualquer um de nós que fosse vítima de atos ofensivos à nossa honra teria o direito de reagir, até fisicamente, em legítima defesa, contra uma agressão verbal atual, além de buscar a proteção judicial.

Se assim é conosco, porque haveria de ser diferente com o Supremo ou seus integrantes? Tolerantes, democráticos, acostumados a receber críticas,
experientes na vida pública, suportaram as ofensas por muito tempo, a meu ver, até demasiado.

Foi quando seu jovem e ínclito presidente, ministro Dias Toffoli, resolveu agir em nome da instituição.

Interpretando o Regimento Interno e entendendo que seus membros continuam a representá-la mesmo estando fisicamente fora de sua sede, determinou a instauração de um inquérito policial sob a presidência do preclaro ministro Alexandre de Moraes.

A partir daí, os detratores do Supremo e aqueles que os defendem, muitos até desavisadamente, voltaram suas “baterias” contra os dois íntegros magistrados.

Atacou-se, inicialmente, a forma pela qual o inquérito foi instaurado e a interpretação dada ao Regimento.

Esqueceu-se, todavia, que o inquérito policial é um procedimento administrativo, não sujeito, via de regra, a nulidades, quando muito a irregularidades.

Olvidou-se, ainda, que o Ministério Público é titular exclusivo apenas da ação penal pública incondicionada, não da pública condicionada em que sua atuação é concorrente à do funcionário público ofendido, que pode preferir mover ação penal privada. Nesta, o Parquet será somente “custos legis”, ou seja, um fiscal da lei.

Muito menos é o Ministério Público titular da investigação policial, cuja instauração pode ser requisitada não só por ele, mas igualmente pela autoridade judicial (CPP, art. 5º, inc. II, primeira parte).

Durante o inquérito, uma revista digital colocou em dúvida a dignidade do atual presidente da Corte, ao tempo em que foi Advogado-Geral da União, divulgando trecho de depoimento de conhecido delator confesso em um inquérito policial, cuja delação, por lei, depende de comprovação por prova idônea.

Para apurar a materialidade e a autoria do fato, em tese ofensivo à sua honra, o presidente Dias Toffoli oficiou ao ministro Alexandre de Moraes pedindo providências. Este, como presidente do inquérito que investiga as ofensas contra o Supremo e seus integrantes, determinou várias medidas, todas previstas no Código de Processo Penal, como a apreensão do instrumento do crime, ou seja, da mídia, e a oitiva dos investigados, proibindo cautelarmente a continuidade de sua divulgação, sob pena de multa.

Passou-se, então, a propalar, inclusive através da imprensa, que o Supremo estaria censurando o direito constitucional da livre manifestação do pensamento e que, quem acusa, não pode depois julgar. Confunde-se aqui, ainda que não intencionalmente, censura com apreensão do instrumento do crime.

Esquece-se, também, que nenhum direito, mesmo aqueles previstos em cláusula pétrea da Constituição, é absoluto.

O direito à livre manifestação do pensamento não protege seu autor de eventuais abusos, pois o direito de um termina onde começa o direito do outro. Ademais, o Supremo não está acusando, mas sim investigando os fatos e sua autoria ou participação.

A respeito, prevê o art. 6º do Código de Processo Penal que, “logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, a autoridade policial deverá:

… II – apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o fato e suas circunstâncias;… V – ouvir o indiciado;… VII – determinar, se for o caso (ou seja, anotamos, se a infração tiver deixado vestígios – CPP, art. 158) que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias”.

Aliás, seria uma contradição em si mesma, que, apreendido o instrumento de um crime que está sendo apurado, no caso uma mídia, pudesse uma cópia dela continuar a ser impunemente divulgada.

Aos defensores dos detratores juntou-se, quero crer que por excesso de zelo, a íntegra Procuradora Geral da República, cuja digna instituição encontra-se envolta em acirrada disputa política pela sua sucessão.

Pretendeu S. Exa., mesmo estando de férias fora do país, que o inquérito fosse arquivado e as provas até então colhidas, anuladas. Olvidou-se, contudo, que, como já dito, o Parquet não é titular exclusivo da ação penal pública condicionada, sendo o funcionário público ofendido, no caso os Ministros do STF, seus concorrentes, agindo através de queixa-crime, se o preferirem.

Na ação penal privada será apenas fiscal da lei, e, por óbvio, não é titular do inquérito policial, cuja instauração pode ser requisitada não só pelo Ministério Público, mas igualmente pela autoridade judiciária (CPP, art. 5º, inc. II), como também já referido.

Só ao final deste, após o relatório do presidente do Inquérito (CPP, art. 10, §1º), se se tratar de ação penal pública incondicionada ou de condicionada em que tiver havido representação do ofendido, deverá o Ministério Público formar sua opinio delicti, oferecendo denúncia, requerendo diligências ou requerendo o arquivamento da investigação policial.

Em pronto e douto despacho, o ministro Alexandre de Moraes, constitucionalista dos mais respeitados, pôs, a meu ver, “as coisas no devido lugar”, indeferindo os extemporâneos pedidos de arquivamento e anulação de provas, e prorrogando o inquérito por mais de 90 dias.

Em lição há tempos dada, mas que permanece viva e atual, pois a honra é, e continua a ser, um bem sagrado e indisponível, disse, por todos, o jurista britânico William Blackstone:

“Todo homem pode pôr diante do público o que bem lhe aprazer, mas, se publicar o impróprio, malicioso ou ilegal, terá consequências”.