Juízes veem grupo criado por Toffoli como ‘mordaça da magistratura’
“Estão querendo desmontar a magistratura de primeiro grau”, diz o juiz Luiz Rocha, sobre o grupo de trabalho formado no Conselho Nacional de Justiça pelo ministro Dias Toffoli para “avaliar parâmetros adequados” do uso das redes sociais pelos magistrados.
Rocha é juiz de direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco, titular da 7ª Vara da Fazenda da Capital. É um dos coordenadores do “Movimento Magistratura Independente – Juízes pelo Brasil”, grupo fechado criado em 2016, que se manifesta na internet. Não tem sede, possui oito coordenadores e um conselho de 30 magistrados.
“Somos um grupo desvinculado das associações representativas dos segmentos da magistratura, contando com a participação de colegas no país, dos quatro segmentos do Judiciário (Estadual, Trabalhista, Federal e Militar)”, se apresenta o MI.
O movimento divulgou na rede um longo manifesto intitulado “Nota de Repúdio à Mordaça da Magistratura”.
“Frente a atuação de 18.000 (dezoito mil) magistrados brasileiros, não se apresentam quaisquer números, exceto casos altamente pontuais, que justifique essa busca incessante em estabelecer controles normativos e calar a Magistratura e o Ministério Público”, afirma o documento.
Nesta quarta-feira (8), o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Aloysio Corrêa da Veiga, coordenador do grupo criado pela Portaria n. 69/2019, do CNJ, comentou os objetivos do colegiado:
“O grupo de trabalho vai analisar as propostas dos seminários realizados sobre o tema com as Escolas de Magistratura e as Corregedorias Estaduais. A ideia é trazer conhecimento sobre comportamento nas mídias sociais. Defendemos que o magistrado pode se manifestar, desde que preserve a imparcialidade e a independência do Poder Judiciário”, disse.
A seguir, a íntegra da nota do MI.
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O MAGISTRATURA INDEPENDENTE, movimento associativo nacional que congrega magistrados no âmbito das Justiças Estadual, Trabalhista, Militar e Eleitoral, aliado a juízes, autoridades e demais cidadãos que anseiam um Poder Judiciário aperfeiçoado, eficiente no cumprimento de seu múnus, independente, inflexível com a corrupção endêmica e impermeável ao tráfico de influência de quaisquer formas ou origens, considerando o atual cenário nacional e o clamor por mudanças desse quadro no âmbito da Magistratura brasileira, diante dos recentes manejos normativos levados a efeito sobre a liberdade de expressão dos magistrados e de informação à sociedade, vem de público se manifestar nos seguintes termos:
O passado recente registra seguidas inovações normativas na busca de silenciar e punir a liberdade de expressão dos magistrados, como se a Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN (LC 35/79), não fosse objetiva ao estabelecer limites, inclusive ao não permitir que o juiz opine nas circunstâncias que prescreve ou divulgue fatos resguardados pelo segredo de justiça. Inobservância que também é cuidada pelo Código de Ética da Magistratura, gestado como ato administrativo do CNJ, em 26.08.2008, que ampliou vedações para além do previsto na LOMAN, regulando a vida privada dos magistrados.
Frente a atuação de 18.000 (dezoito mil) magistrados brasileiros, não se apresentam quaisquer números, exceto casos altamente pontuais, que justifique essa busca incessante em estabelecer controles normativos e calar a Magistratura e o Ministério Público. Projetos legislativos apontam esse norte de impor a mordaça sob pena de punição. Não se consegue dissimular que a intenção primeira não é a correção do excesso, mas sim impedir, em tempos tão obscuros, que a sociedade tenha acesso a manifestações de credibilidade e respeito, e informações sobre casos de corrupção na administração pública. Que se tenha em lembrança os projetos desde o PL da Câmara nº 65/99 (Senado nº 2961) e PL do Senado 536/99 – Lei da Mordaça, até mais recentemente o projeto de iniciativa popular “10 Medidas Contra a Corrupção”, originalmente apoiado por mais de 2 (dois) milhões de assinaturas, que foi distorcido para prever punições a magistrados e membros do Ministério Público.
A surpresa, desta feita, vem dos manejos normativos sucessivamente levados a efeito no âmbito do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, sob o manto da preocupação com uso indevido da liberdade de expressão de magistrados para manifestações políticas em redes sociais ou que seu mau uso possa impactar na percepção da sociedade em relação à integridade do Poder Judiciário. E nesse particular, mais uma vez, não se conhece registros, diante dos 18.000 (dezoito mil) magistrados brasileiros, que justifique essa preocupação, se ela reside sobre magistrados de primeiro ou segundo grau via de manifestações em redes sociais, ou se sobre ministros de tribunais em entrevistas, tratando de seus votos ou sobre os votos de colegas de corte.
Sem registros plausíveis que sequer sustentem esses argumentos, o desafio a liberdade de expressão dos magistrados, como direito fundamental de todos (art. 5º, IV da Constituição Federal), sem exceção, não pode ser tomado por quem quer que seja e nem mesmo pelo Estado. Entretanto, o próprio Judiciário valendo-se da proteção que foi originalmente dedicada ao processo e a sociedade, ao limitar pronunciamentos de magistrados sobre a causa entregue aos seus cuidados profissionais para, através de uma sucessão de normativos gestados no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, censurar a fala e manifestações de magistrados em redes sociais, impondo verdadeira mordaça à Magistratura.
Outra não será a conclusão que se chega de um raso exame das redundantes, porém imotivadas justificativas contidas nas disposições dos normativos impostos pelo CNJ, como o Provimento nº 071/2018, de 14/06/2018, da Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Nota de Recomendação aos Magistrados, expedida pelo Corregedor Nacional de Justiça (05/10/2018); e a recente Portaria nº 69, de 02/05/2019, do Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF e Conselho Nacional de Justiça – CNJ, instituindo grupo de trabalho destinado a avaliar os parâmetros para o uso adequado de redes sociais pelos magistrados.
O conjunto normativo de regência da magistratura definido por lei está claramente elencado na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Magistratura – LC nº 35/79. Quaisquer outros, sobremodo por interpretação extensiva, ou ainda emprestando sugestão contida em Manual editado pela Associações dos Magistrados Brasileiros – AMB (Ed. 2016), mas que tentem limitar a liberdade de expressão do magistrado, sobre quaisquer argumentos, constitui afronta a Constituição Federal e desrespeita a cidadania. O magistrado censurado e amordaçado não é, sequer, cidadão. As consequências desse processo de coação da magistratura desaguará no meio da sociedade brasileira. A liberdade de expressão é assegurada ao magistrado e qualquer outro cidadão. A disposição não aceita interpretações e nem limitações a sua aplicação. Se impõe exatamente porque é fundamental. A restrição ao direito de se expressar livremente representa um exercício de violência por si só, independentemente de onde parta e a quem se destina. Fere a essência da dignidade da pessoa humana.
A Constituição não pode ser refém do seu guardião, esse não pode criar barreiras casuísticas a liberdade descrita e determinada por aquela, criando categoria inferior de cidadãos, com direitos fundamentais reduzidos. A Magistratura já foi aviltada, institucionalmente, em suas prerrogativas, e agora ocorre um claro avanço sobre os direitos fundamentais dos juízes enquanto cidadãos. Nessa ordem de ações, está em risco a sobrevivência do Estado, que depende visceralmente do desenvolvimento intelectual de seu povo, o que apenas ocorre com o fomento do livre câmbio de ideias.
Que não se confunda a letargia das nossas entidades representativas com acomodação da Magistratura. As agressões que vêm sendo ardil e profissionalmente assacadas contra a Magistratura, em busca de seu desmonte, assim como esses manejos normativos de censura, estão levando os magistrados a inquietação e ao transbordo da ponderação. Observa-se com atenção o Mandado de Segurança nº 35.793, impetrado no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Luiz Roberto Barroso, contra o Provimento nº 71/2018 – Corregedoria Nacional – CNJ, que teve pedido liminar indeferido em 04.09.2018.
A liberdade como abstração constitucionalmente consagrada em seu texto, exige a prática democrática constante e efetiva, com uma materialização instantânea a cada momento de afronta inusitada. Nesses termos, o movimento MAGISTRATURA INDEPENDENTE REPUDIA VEEMENETEMENTE A AFRONTA AO DIREITO CONSTITUCIONAL E FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS MAGISTRADOS, sob quaisquer argumentos, formas ou alegações, conclamando a magistratura a refletir sobre a gravidade deste momento e não aceitar passivamente qualquer conduta que atente contra o Estado Democrático de Direito, fundado na supremacia da ordem jurídica.
Brasília, 05 de maio de 2019.
MOVIMENTO MAGISTRATURA INDEPENDENTE