Liberdade das armas e agenda genocida
Sob o título “A Emenda Nº2 do Brasil no campo da liberdade das armas”, o artigo a seguir é de autoria do advogado Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado.
“Os fabricantes de armas estão comemorando. O Brasil está se desfazendo. Por óbvio, há em formação no Brasil um pacto autoritário de viés fascista”, afirma Romano.
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I – O FATO
O Decreto 9.785 do presidente Jair Bolsonaro anunciado nesta terça-feira (7), e publicado nesta quarta-feira (8), no Diário Oficial da União (DOU) facilita o porte de armas de fogo para uma série de categorias de profissionais e não só para caçadores, atiradores esportivos, colecionadores (CACs) e praças das Forças Armadas, como foi destacado pelo governo.
O texto também permite que crianças e adolescentes pratiquem tiro desportivo sem aval judicial.
A consultoria legislativa da Câmara dos Deputados irá fazer um estudo de constitucionalidade do decreto do presidente Jair Bolsonaro que flexibiliza o porte de armas de fogo no País.
O ato foi assinado nesta terça por Bolsonaro e publicado no dia 8 no Diário Oficial da União. Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o pedido é padrão. “Para todo decreto presidencial, há uma análise de constitucionalidade”, disse.
Na lista, há advogados, residentes de área rural, profissional da imprensa que atue na cobertura policial, conselheiro tutelar, caminhoneiros e profissionais do sistema socioeducativo.
A medida tem a ver também com reivindicações de certos grupos, como colecionadores, de obter com menos problemas burocráticos a permissão para ter uma arma.
Por decreto, norma secundária, quer-se alterar o Estatuto do Desarmamento de modo a torná-lo menos rígido.
Ora, a medida suscitada em decreto tem o firme propósito da novidade algo que somente se integra no conceito de lei material.
Além disso, o decreto, como ato normativo do Executivo, não é lei em sentido formal ou orgânico, a lei é ato do órgão investido constitucionalmente, na função legislativa.
De nada valerá, sob pena de evidente falácia de pensamento, o argumento de que dar posse de arma não é a mesma coisa de liberar o porte de arma.
O porte obedece a uma série de exigências que inclui o treinamento em clubes de tiro. A prioridade à posse de arma tem um simbolismo, em busca um efeito dissuasório, mas a medida liberalizadora permitirá apenas guardar armas em casa, não as portar em público.
Os argumentos que aqui trazemos são os mesmos trazidos em oportunidade anterior.
II – O ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Volta-se ao Estatuto do Desarmamento.
Essa lei proíbe o porte de armas por civis, com exceção para os casos onde haja necessidade comprovada; nesses casos, haverá uma duração previamente determinada e sujeita o indivíduo à demonstração de sua necessidade em portá-la, com efetuação de registro e porte junto à Polícia Federal (Sinarm), para armas de uso permitido, ou ao Comando do Exército (Sigma), para armas de uso restrito, e pagar as taxas, que foram aumentadas.
Um exemplo dessas situações são as pessoas que moram em locais isolados, que podem requerer autorização para porte de armas para se defenderem. O porte pode ser cassado a qualquer momento, principalmente se o portador for abordado com sua arma em estado de embriaguez ou sob efeito de drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou motor.
Obs 1: Em algumas dessas hipóteses a aquisição é condicionada a algumas exigências.
Obs 2: O artigo 6º fala em membros de entidade de desporto legalmente constituídas e em caçadores de subsistência, mas nesses casos há regras mais específicas que serão tratadas posteriormente.
Obs 3: Membros das Forças Armadas tem lei própria, porém o Estatuto do Desarmamento ainda assim estabeleceu normas para tais pessoas.
Para colecionadores: É necessário ter registro no Exército Brasileiro, nos termos do Art. 24, o chamado Certificado de Registro (CR), e ter a atividade de colecionamento apostilada.
Para atiradores: Os atiradores também precisam ter registro no Exército, possuir CR, nos termos do Art 24, e ser vinculado a uma entidade de pratica de tiro, mesmo que com a rejeição do Art. 36 em Referendo, a lei não exije ser membro de entidade de desporto.
Para caçadores: A situação dos caçadores é bastante parecida com a dos atiradores, é também necessário ser registrado no exército, possuir CR, e é necessário ser membro de uma entidade de caça mesmo que o Art. 24 não o exija.
Para caçadores de subsistência: ao contrário dos demais caçadores, os caçadores de subsistência têm seu registro e porte de arma emitidos pela polícia federal, e não são membros de qualquer entidade, a aquisição nestes casos é permitida para residentes em área rural que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar poder, desde que declarem efetiva necessidade.
Cada caçador de subsistência poderá ter apenas uma arma de uso permitido, de tiro simples, com 1 ou 2 canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, tal arma tem poder de fogo insuficiente para se caçar um javali, espécie cuja caça é autorizada.
Saliente-se a diferença entre posse e porte de arma.
A posse abrange apenas o direito de ter armas de fogo em casa.
O porte é a autorização para transportar armas para fora de casa, além de acessórios e munições registrados.
Para o porte é necessário não ter antecedentes criminais, apresentar documento de ocupação lícita e de residência e comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica. Deverá ser demonstrada a efetiva necessidade do porte seja por exercício de uma atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física.
Por sua vez, as atividades já listadas têm a efetiva necessidade já cumprida.
Para os menores bastará a simples autorização dos pais para presença em clubes de tiro. Veja-se a gravidade da medida.
Com o decreto de Bolsonaro, armamentos e munições que antes eram restritos a policiais e membros das Forças Armadas agora também podem ser usados ou adquiridos por quem tiver o porte. Entre os itens liberados há pistolas .40, .45 e 9 mm, além de carabina .40 e espingarda de calibre 12.
O texto do decreto altera a regulamentação anterior e modifica critérios técnicos para a classificação de armas como de “uso permitido”, “restrito” ou “proibido”. Na prática, todas as pessoas que obtenham porte passam a poder ter acesso a armamentos mais potentes.
O regulamento de agora permite aquisição de armas de cano curto, semiautomáticas ou de repetição, que não atinjam energia cinética superior a 1.620 joules. Na regra anterior, o teto de energia do disparo era de 407 joules.
O novo limite abarca pistolas e carabinas .40, armas usadas pelas Polícias Militar e Civil, e também munições 9 mm, o calibre utilizado pelo Exército Brasileiro.
Antecipe-se a conclusão de que governo legislou por decreto.
III – O DECRETO DIANTE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Qualquer mudança que aí se dê virá por lei, norma típica primária e não por decreto, norma típica secundária.
Lei, no sentido material, é o ato jurídico emanado do Estado com o caráter de norma geral, abstrata e obrigatória, tendo como finalidade o ordenamento da vida coletiva, como já dizia Duguit.
Esses caracteres e o de modificação da ordem jurídica preexistente, que decorre da sua qualidade de ato jurídico, como dizia Miguel Seabra Fagundes (“O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário”, segunda edição, José Konfino, pág. 30), se somam para caracterizar a lei entre os demais atos do Estado. Mas entre eles só é específico o da generalidade.
Entre os italianos, Ranelletti, além de outros, entende que o caráter especifico da lei, no sentido material, está na novidade ou modificação (“novità), e não na generalidade, se bem que seja esta uma característica habitual trazida à norma jurídica.
Ranelletti, com razão, nega o caráter de lei às regras que o Estado regula a sua própria atividade, por lhe parecer que não produzam efeito jurídico em relação a terceiros.
Ao lado da generalidade é, sem dúvida, elemento intrínseco, inapartável da lei, a modificação do direito preexistente alterando situações juridicas anteriores. A novidade de que falou Ranellleti.
Ora, no Brasil, não ocorre no ato administrativo normativo (decreto), mas somente na lei, generalidade e novidade.
Aliás, dita o artigo 5º, inciso II, da Constituição, quanto ao princípio da legalidade e da reserva de lei, que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou não fazer senão em virtude de lei.
A lei que se fala é formal e material de modo que é ato normativo oriundo de reserva do Parlamento.
Há, para o caso, uma supremacia e preeminência de lei formal.
O princípio da legalidade eleva a lei à condição de veículo supremo da vontade do Estado.
A lei é uma garantia, o que não exclui, como bem se avisa, a necessidade de que ela mesma seja protegida contra possíveis atentados à sua inteireza e contra possíveis máculas que a desencaminhem de sua verdadeira trilha.
Necessário expor, ainda que em poucas palavras, o princípio da legalidade no direito penal, no direito administrativo e no direito tributário.
Diante do princípio da legalidade do crime e da pena, pelo qual não se pode impor sanção penal a fato não previsto em lei, é inadmissível o emprego da analogia (forma de autointegração da lei) para criar ilícitos penais ou estabelecer sanções criminais.
A única fonte direta do direito penal é a lei, diante do princípio da reserva legal.
O princípio da legalidade está inscrito no artigo 1º do Código Penal, reserva legal, no sentido de que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Assim também é na Constituição Federal, no artigo 5º, XXXIX, quando se dispôs que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Na linha já traçada na Declaração de Direitos Humanos e do Cidadão, de 1789, e que foi insculpido na Constituição de 1824, e dela não saiu mais, só a lei pode ser fonte geradora do ilícito penal. Excluem-se, destarte, quaisquer outros casos de idêntica hierarquia ou, a fortiori, de hierarquia inferior.
Além da anterioridade da lei, como princípio trazido no artigo 5º, XXXIX, referenciado, da Constituição, da reserva legal, há que se mencionar, ainda, a tipicidade. Com efeito, não basta que a lei acene com descrições abstratas ou esfumadas do fato delituoso. É preciso que o comportamento seja descrito em todas as suas minúcias, dando lugar a uma suficiente especificação do tipo do crime. Daí porque, repita-se, não se aceita analogia em sede de direito penal.
As penas e as medidas de segurança devem ser previstas em lei.
Pelo princípio da legalidade, alguém só pode ser punido se, anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que o considere como crime. Mesmo que o fato agrida a moral, danoso, não haverá possibilidade de se punir o autor, sendo irrelevante a circunstância de entrar em vigor uma lei que, posteriormente, o preveja como crime.
O princípio da legalidade é a base de sustentação do direito penal.
Na esfera administrativa discutem-se as características do princípio da legalidade.
O princípio da legalidade da função executiva, de que a legalidade da Administração é simples aspecto, desdobra-se nos princípios da preeminência da lei e o princípio da reserva de lei.
O princípio da preeminência da lei, princípio da legalidade em sentido amplo, fórmula negativa ou regra da conformidade, traduz-se na proposição de que cada ato concreto da Administração é inválido, se e na medida em que contraria uma lei material.
Por sua vez, o princípio da reserva de lei, princípio da legalidade em sentido restrito, surgiu originalmente com o sentido de que cada ato concreto da administração que intervém na liberdade ou propriedade do cidadão, carece de autorização de uma lei material; mas veio mais tarde a evoluir no sentido de exigir a mesma autorização para todo e qualquer ato administrativo, ainda que, de forma direta, não contendesse na aludida esfera privada dos particulares.
Entende-se pela experiência doutrinária que, se o princípio da preeminência da lei representa muito mais a defesa da própria ideia de generalidade numa fase de evolução do poder administrativo concebido essencialmente como uma ampla esfera de autonomia ou mero âmbito da licitude, o princípio da reserva legal desempenha uma função de garantia dos particulares contra as intervenções do poder.
Na doutrina alemã, do que se lê das observações de Peters, Huber, Wolff e Forsthoff, o princípio da legalidade reveste no direito administrativo o seu conteúdo mínimo de uma simples regra de preeminência da lei. Assim, no direito administrativo brasileiro, há o entendimento de que apenas se deve exigir uma reserva de lei no que se diz respeito à criação de deveres, de conteúdo positivo ou negativo.
A Constituição dita: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”(artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal).
Fala-se em reserva de lei material e reserva de lei formal. No primeiro caso, basta que a conduta da Administração seja autorizada por uma norma geral e abstrata, seja ela a lei constitucional (norma paratípica), a lei ordinária (norma típica primária) ou mesmo o regulamento (norma típica secundária). No segundo caso, torna-se necessário que o fundamento legal do comportamento do órgão executivo seja um ato normativo dotado com força de lei, de ato provindo de órgão com competência legislativa normal e revestido da forma externa legalmente prescrita.
A atividade administrativa que não se traduz na criação de limites à liberdade pessoal ou patrimonial dos cidadãos, apenas se encontra submetida à regra da preeminência da lei.
No direito administrativo, há uma reserva relativa de lei formal.
Assim, o direito administrativo se contenta com uma simples reserva de lei material, baseado no item generalidade, novidade, próprios de um perfil normativo.
De outro modo, em sede de direito penal, as medidas provisórias não se prestam a estabelecer condutas criminosas, pois há, em sua excelência, a aplicação do princípio da reserva de parlamento, de sorte que as Convenções Internacionais, por exemplo, não substituem as leis internas de cunho penal.
Ora, se as medidas provisórias não se prestam para tanto, ainda mais se terá com relação a decretos.
No direito brasileiro não são admitidos os chamados regulamentos independentes.
Um decreto que esteja em contradição à lei que tente regulamentar é norma nula.
No Brasil, admitem-se os chamados regulamentos de execução ou executivos.
O regulamento de execução se presta a:
a) precisar o conteúdo dos conceitos de modo sintético referidos pela lei;
b) determinar o modo de agir da Administração nas relações que, necessariamente, travará com os particulares na oportunidade da execução da lei;
c) surgem na chamada discricionariedade técnica, quando, na lição de Oswaldo Bandeira de Mello(Princípios Gerais de Direito Administrativo, volume I, 1980, pág. 310), se tem: “o Legislativo delega ao Executivo as operações de acertar a existência de fatos e condições para a aplicação da Lei, os pormenores necessários para que as suas normas possam efetivar-se. Ela encontra corpo nas atividades estatais de controle. A lei da habilitação fixa os princípios gerais da ingerência governamental e entrega ao Executivo o encargo de determinar e verificar os fatos e as condições em que os princípios legais devem ter aplicação”. Trata-se da Administração explicar técnico-cientificamente os pressupostos de fato previstos em lei.
Se a lei conferiu tal ou qual indexador para a solução das obrigações entre os Estados Membros e Municípios para com a União, não pode um decreto regulamentador modificá-lo.
Dita o artigo sexto da Lei 1079/50 que é crime de responsabilidade intervir em negócios peculiares aos Estados e Municípios em desobediência às normas constitucionais. É um crime contra o livre exercício dos poderes constitucionais.
A eficácia da lei, sua execução, poderá ficar condicionada à edição do regulamento, desde que seja fixado prazo para a ação normativa do executivo. Não atribuído prazo, então a lei será eficaz desde sua vigência em tudo aquilo que não depender do ato complementar e inicial da execução. Fixado o prazo de regulamentação, e desrespeitado respectivo lapso temporal, a lei será eficaz em tudo o que não depender do regulamento.
No Brasil, alguns juristas, quando vigente a última Constituição, defenderam a tese de que o país admitia os regulamentos autônomos, sob o fundamento de que o artigo 81, V, atribuía ao Presidente da República a competência para “dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal”. Ora, os regulamentos de organização devem ser editados na forma da lei, de modo que não podem ser editados independentemente da lei.
Não há no Brasil regulamentos independentes, há regulamentos de execução, que servem para aplicação da lei. Não podem operar contra legem, ultra legem, nem praeter legem. Operam secundum legem.
Observe-se que a Constituição Portuguesa, com a revisão de 1982, previa, de forma expressa, os regulamentos independentes, no artigo 115. Eles não se confundem com os regulamentos autônomos porque não se satisfazem com o fundamento constitucional.
Devem, como os de execução, indicar o ato legislativo que atribui competência regulamentar. Os regulamentos independentes, ao contrário dos executivos, já não recebem das leis determinados conteúdos-disciplinas para regulamentar, antes são eles que estabelecem, originalmente e com amplos poderes de conformação material, o regime, a disciplina de certas relações jurídicas, como ensinou Jorge Manuel Coutinho de Abreu (“Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade”, 1987, pág. 40).
O direito português, posto isto, admite os regulamentos independentes, “aquele em que a lei se limita a indicar a autoridade que poderá ou deverá emanar o regulamento e a matéria sobre o que versa”. Mas, na lição de J. J. Gomes Canotilho (“Direito Constitucional”, pág. 675), não se admite, porém, os “regulamentos autônomos, isto é, regulamentos não derivados, sem referência a lei anterior”.
IV – A INCONSTITUCIONALIDADE DE UM DECRETO QUE ALTERE A LEI E A CULTURA DO HOMEM CORDIAL
Por todas essas razões, observa-se que tal decreto será formalmente inconstitucional da maneira como noticiado.
O Brasil não pode testemunhar cenas de bang-bang, tais como acontece nos Estados Unidos, onde há uma Emenda n. 2, que é específica para permitir tal estado de coisas, com assassinatos cometidos da maneira mais cruel, que causam consternação no mundo civilizado.
A Segunda Emenda à Constituição dos Estados Unidos protege o direito da população de manter e portar armas. Foi aprovada em 15 de dezembro de 1791, juntamente com as outras nove primeiras emendas constitucionais constantes da Carta dos Direitos dos Estados Unidos (em inglês, United States Bill of Rights) ou Declaração dos Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos .
A Segunda Emenda baseou-se parcialmente no direito de manter e portar armas, previsto na common-law da Inglaterra, e foi influenciada pela Declaração de Direitos de 1689, também inglesa
A cultura do brasileiro, do homem cordial, como acentuava Sérgio Buarque de Holanda (“Raízes do Brasil”) não se coaduna a essa prática de forma indiscriminada e apenas vem a trazer mais violência para enfrentar a violência.
O decreto discutido ampliou bastante a liberalização:fazendeiros poderão portar armas em suas terras, não mais dentro de casa apenas; essas licenças CACs passam a vigorar por dez anos, não mais apenas três; pode-se comprar mais munições, e assim por diante. Vinte categorias poderão ter porte de armas. Entre elas, políticos eleitos,caminhoneiros e até repórteres que façam coberturas policiais. Na prática, consuma-se o fim do Estatuto, por meio de decreto, algo a ser examinado.
Como nada que insere na novidade foi aprovado pelo Congresso Nacional, lei formal, a medida é inconstitucional.
Como concluiu o jornal O Globo, em seu editorial do dia 9, o presidente e os armamentistas em geral cometem o grave engano de achar que permitir a circulação de armas é eficiente política de segurança. Ao contrário, precarizará a própria segurança pública, pois o risco de aumento da violência nas ruas e nos domicílios será enorme.
Vende-se, ainda, a ilusão de que o cidadão comum estará protegido caso se arme. Não estará, porque quase sempre ele morre quando enfrenta bandidos acostumados a usar armas. Também está provado que armas legalizadas são roubadas e vão abastecer os arsenais do crime.
Por decreto, o que afronta a sistemática constitucional, foi criado um “novo estatuto do desarmamento”.
Armas, antes de uso restrito de policiais e militares, agora podem ser compradas pelo que o presidente chama de “cidadão de bem” para se defender.
Categorias profissionais que não tinham direito automático ao porte, agora terão. Policiais que não podiam usar a arma pessoal em serviço, agora podem. Agentes de segurança que apreenderem munições não tinham direito a pleitear o resultado do trabalho para si. Agora, terão preferência na destinação do que for apreendido.
Boa parte do que o presidente Bolsonaro incluiu no seu novo decreto vinha sendo objeto de discussão no Congresso.
Os fabricantes de armas estão comemorando.
O Brasil está se desfazendo.
Por óbvio, há em formação no Brasil um pacto autoritário de viés fascista.
Há, com isso, a construção de uma verdadeira agenda genocida e a desconstrução da democracia, do diálogo.
Os pactos autoritários tiram seu vigor da obediência, da adesão e da renúncia de cada um à autonomia crítica. Não por acaso, é isso o que o bolsonarismo requisita a seus seguidores. A ordem democrática, ao contrário, extrai energia das diferenças.
Dois serão os caminhos para anular esse decreto: a) um será ao Congresso dado o poder de sustar o ato normativo por ser inconstitucional; b) o ajuizamento pelos legitimados do artigo 102 da Constituição no ajuizamento de ADIn ou ainda ADPF, uma vez que estão afrontados preceitos fundamentais, como a vida.