O silêncio da advocacia diante da censura no Judiciário

Frederico Vasconcelos
Jantar promovido pela advocacia em homenagem ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli (Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo)

A advocacia aderiu em peso ao jantar em torno do ministro Dias Toffoli, no último dia 3, no restaurante Figueira Rubayat, em São Paulo, a título de desagravar o Supremo Tribunal Federal, diante de ataques à instituição e a seus membros.

Os discursos enalteceram o direito à ampla defesa, ao amplo contraditório, as prerrogativas da advocacia, esquecendo-se que Toffoli, numa interpretação elástica de seus poderes, mandou instalar um inquérito com medidas típicas dos períodos de exceção.

No inquérito instaurado pelo ministro Alexandre de Moraes, escolhido por Toffoli para a tarefa, o juiz que se considera alvo de críticas conduz a ação policial e é o julgador final da causa.

Enquanto isso, há o temor da magistratura –notadamente a de primeiro grau– causado pela decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça de instituir um grupo de trabalho para “avaliar parâmetros adequados” do uso das redes sociais pelos magistrados.

Como seriam pontuais os casos de excessos no universo de 18.000 juízes, a possibilidade de se estabelecer controles normativos surpreendeu a magistratura.

“Não se consegue dissimular que a intenção primeira não é a correção do excesso, mas sim impedir, em tempos tão obscuros, que a sociedade tenha acesso a manifestações de credibilidade e respeito, e informações sobre casos de corrupção na administração pública”, afirma em manifesto o “Movimento Magistratura Independentec- Juízes pelo Brasil”.

Toffili diz entender que “o mau uso das redes sociais pode impactar a percepção da sociedade em relação à integridade do Poder Judiciário, causando máculas à prestação jurisdicional”.

As primeiras críticas de juízes à portaria que criou o grupo de trabalho foram registradas neste espaço. Teme-se que o CNJ tente legislar além da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e da Constituição, impondo uma mordaça.

Os ministros de tribunais superiores não dão exemplos para preservar a imagem do Judiciário, alegaram.

Como disse o decano do STF, ministro Celso de Mello, “a censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”.

No jantar da Figueira, a liberdade de expressão, tão cara aos operadores do direito, deveria ser o prato forte, mas ficou fora do cardápio.

O evento nos remete a outras manifestações do lobby da advocacia. Num dos encontros sociais no exterior Dias Toffoli esteve presente como convidado.

Esses fatos foram registrados no Blog, em 26 de setembro de 2017, em post transcrito a seguir.

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A defesa festiva

Advogados Alberto Toron, Antônio Carlos de Almeida Castro e Roberto Podval, em encontro realizado em Portugal (Foto: Eliane Trindade/Folhapress)

O mensalão e a Lava Jato permitiram o aprimoramento do direito de defesa e, como subproduto, atiçaram a fogueira das vaidades de famosos causídicos que disputam espaço e aplausos em colunas e redes sociais.

A mais recente demonstração desse exibicionismo aconteceu em Lisboa, onde o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, recebeu amigos para celebrar seus 60 anos nos salões do Palácio Xabregas e na vinícola Adega Mãe, em Torre Vedras, a 60 km da capital portuguesa.

O evento mereceu relato detalhado de Eliane Trindade, na Folha.

“Só fiz a festa em Portugal porque não pude fazer em casa. O Brasil virou um país punitivo, esquisito”, diz Kakay. “Quando fiz 50 anos, convidei todos os amigos, gente do Executivo, do Legislativo, do Judiciário. Tinha vários senadores, governadores, ministros de tribunais superiores, ex-presidente. Hoje não dá para fazer isso.”

Tem razão o anfitrião d’além-mar.

Não há mais clima no país para as ousadias gastronômicas. Às vésperas do julgamento do mensalão, os restaurantes de Kakay em Brasília ofereciam cardápios ironizando aquela que foi, à época, a maior investigação contra a corrupção: o sanduíche “Presuntão da Inocência”, na Expand (baguete, presunto parma, queijo brie e geleia de mirtilo), e o “Supremo Corte”, no Piantella (filé com creme de mostarda, ervilha, cebola, presunto e batata palha), segundo revelou a repórter Gabriela Guerreiro, na Folha.

Como previu este Blog, em setembro de 2012, “se o julgamento do mensalão continuar seguindo o roteiro traçado pelo ministro Joaquim Barbosa, o processo chegará ao final com boa dose de desgaste para os notáveis da advocacia”.

Os representantes da grande banca criminal desembarcaram em Brasília confiantes, acreditando que seus clientes não passariam pela Papuda. A Ação Penal 470 colocou advogados experientes e novatos no mesmo barco, com a rejeição das principais teses da defesa.

Em reportagem de capa, sob o título “O sofrimento dos medalhões”, a repórter Cynara Menezes, da revista “CartaCapital”, registrou na ocasião: “advogados renomados e regiamente pagos sofrem derrotas acachapantes no Supremo Tribunal”.

A convicção de que o cenário mudou foi admitida em Lisboa por outros comensais.

“Nosso país hoje não permite comemorações. Muitos clientes estão presos, é difícil separar o pessoal do profissional”, lamentou o criminalista Roberto Podval.

Para ele, ainda segundo o relato de Eliane Trindade, “seria natural ter colegas de outras áreas do direito em eventos sociais como o de Kakay, assim como no seu casamento, realizado na ilha de Capri, na Itália, quando a presença do ministro do STF Dias Toffoli foi considerada escandalosa”.

Então candidato à OAB-SP em 2012, Podval contou, em entrevista nas ‘páginas amarelas’ da Veja, como construiu sua carreira com garra e superando dificuldades diárias:

“Comecei de baixo (…). Almoçava sanduíche de linguiça na Praça da Sé (…) Era um advogado de porta de cadeia, literalmente (…) Ia de madrugada até as delegacias arranjar cliente. Olhava o sujeito, dava meu cartão, via quanto ele podia pagar e ia tentar soltá-lo (…)”.

Mais tarde, informou a OAB, Podval fez mestrado na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde defendeu a tese “O bem jurídico nos crimes de lavagem de dinheiro”.

Uma biografia que deve ser respeitada.

Em agosto, este Blog registrou mais um lance do que denominou a “espetacularização da advocacia”, ao noticiar que Kakay seria o “advogado de defesa” da Operação Lava Jato, em júri popular simulado em Curitiba, no Dia do Advogado (11).

“A ironia e o humor também fazem parte da nossa luta”, afirmou o criminalista, em comentário distribuído nas redes sociais.

Desde o mensalão, Kakay parece cultivar a berlinda, como uma espécie de porta-voz da grande banca. O criminalista disse que foi chamado para “defender” a Lava Jato no júri simulado “exatamente por ser um crítico ácido, mas leal”.

Claudio Weber Abramo, ex-diretor executivo da Transparência Brasil, afirmou, então, que Kakay “é um desses advogados caríssimos que se especializa na defesa de políticos acusados de corrupção, fazendo-o por meio da interposição interminável de recursos protelatórios”.

Eliane Trindade assim concluiu o relato do evento em Lisboa:

“O anfitrião ainda declamou poemas e fez um discurso emocionado na hora de apagar as velas. ‘Como diz Fernando Pessoa, tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Na terra do poeta, eu pratiquei o socialismo das ideias e dos afetos. Bem-vindos ao meu delírio.’”

Correndo o risco de serem acusados de mesquinhez, os mais críticos poderiam acrescentar: tudo vale a pena quando a remuneração da clientela também não é pequena.