A difícil fritura de um ministro sem a panela no fogo
Alguns analistas interpretaram como fritura antecipada a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que honraria a promessa de indicar o ministro da Justiça, Sergio Moro, para a primeira vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Não é o que parece.
Quem assistiu a entrevista que Moro concedeu, nesta quarta-feira (15), a jornalistas da Globo não viu um ministro ressentido ou acuado.
Moro reafirmou que trocou a toga pelo ministério para garantir que o espírito da Lava Jato –o combate à corrupção– fosse preservado no Executivo. O ex-juiz não é bobo. Deve ter avaliado naquela ocasião o bombardeio que sofreria.
A validade de compromissos possivelmente acertados, ainda na campanha, entre Bolsonaro e Moro será conferida com a sucessão de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República.
Se Bolsonaro optar por um candidato que já se coloca contrário à operação que condenou empresários e políticos até então fora do alcance da Justiça, restará a Moro pedir o boné ou engolir um sapo mais gordo.
“Nunca subestime a sagacidade do presidente Bolsonaro”, alertou um magistrado neste Blog [veja aqui].
O presidente é imprevisível, mas é difícil imaginar que ele tenha, neste momento, preferido explodir a ponte antes de atravessá-la.
Afinal, o Datafolha no início de abril confirmou que Moro é o ministro mais popular e mais bem avaliado do governo Bolsonaro.
Um juiz levantou a possibilidade de que Bolsonaro “pretendeu afastar as pressões sobre a indicação”, citando que “só no Superior Tribunal de Justiça são dez os candidatos a uma vaga no STF”.
No julgamento que concedeu liminar para dar liberdade ao ex-presidente Michel Temer, a 6ª Turma do STJ entendeu que “juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da ação”.
O recado não foi dirigido diretamente a Moro, mas pode ser estendido ao ex-juiz de Curitiba.
Moro operou a Lava Jato sob permanente fritura, algumas delas vindas de instância suprema. Ou seja, tem experiência no assunto.
Em setembro de 2014, no início da Operação Lava Jato, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello atribuíram a Moro atos de “resistência” ou “inconformismo”. Vislumbraram indícios de que Moro prendia muito.
Deram ouvidos a um doleiro, condenado na ação do Banestado, que remetera ilegalmente bilhões para fora do país, e alegara, muitos anos depois, ter sido vítima de cerceamento de defesa e parcialidade do juiz.
O STF pediu ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria-Geral do TRF-4 para conferir se Moro cometera alguma infração disciplinar. O caso foi arquivado e Moro continuou mandando prender.
Entre outras explicações para a precipitada declaração de Bolsonaro, levantou-se a possibilidade de desgastar o ex-juiz, pois a fala anteciparia o beija-mão no Congresso, périplo a que todos os candidatos a ministro de tribunais se submetem.
Bolsonaro não tem a imagem de estrategista. Mas a reafirmação de que Moro ocupará a primeira vaga no Supremo talvez seja um recado aos membros do Congresso.
Com as dificuldades do governo para aprovar seus projetos, seria algo como recomendar que Moro não seja tratado pelo Legislativo apenas como o ministro de um governo fraco. Mas como o ministro que poderá vir a decidir no STF o destino de muitos parlamentares.
Talquei?