STJ coíbe excessos nas redes sociais sem amordaçar juízes

O recebimento da queixa-crime contra a desembargadora Marilia Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acusada de injúria pelo ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), confirma que há instrumentos legais para coibir –sem censura prévia ou ameaça de mordaça– os excessos cometidos por magistrados nas redes sociais.

Para isso, é necessário o destemor do ofendido e a independência de julgadores que não cedem ao corporativismo.

A queixa-crime ajuizada pelo ex-parlamentar é peça inicial de uma ação privada movida pela própria vítima, e não pelo Ministério Público.

Na semana passada, a Corte Especial do STJ, por maioria, acompanhou o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, que admitiu a hipótese de ter havido a “intenção deliberada [de Marília] de injuriar, denegrir, macular ou de atingir a honra do querelante [Jean]”.

Em 2015, a desembargadora Marilia Castro Neves teria sugerido no Facebook um “paredão profilático” para Jean Wyllys, “embora não valha a bala que o mate e o pano que limparia a lambança”.

Ela também divulgou uma notícia falsa sobre a vereadora carioca Marielle Franco. Dizia que a parlamentar assassinada a tiros teria ligação com o tráfico de drogas. Depois, diante da reação negativa, publicou uma carta pedindo desculpas.

Em sua defesa, a desembargadora afirmou que a sua publicação foi tirada de contexto e que ela não quis ofender Jean Wyllys. O STJ determinou que, enquanto responde pelo crime, a desembargadora continuará no seu cargo.

Em junho de 2016, como uma das administradoras do grupo “Magistratura Free” no Facebook, a desembargadora do TJ-RJ promoveu a revoada de magistrados a Curitiba (PR) para um jantar em homenagem ao então juiz federal Sergio Moro.

O evento foi revelado pelo editor deste Blog, em reportagem na Folha sob o título “Tietagem a Sergio Moro é chamariz de encontro de magistrados no Paraná”. [veja aqui]

A desembargadora nunca escondeu a admiração pelo juiz da Lava Jato, e sempre manteve estilo agressivo nas redes sociais.

Enquanto o STJ demonstra que a legislação é suficiente para punir eventuais abusos de juízes, o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, optou pela criação de um grupo de trabalho para “avaliar os parâmetros para o uso adequado das redes sociais pelos magistrados”.

A decisão foi tomada em meio a fortes críticas que o presidente do STF e CNJ recebeu pela abertura de inquérito no Supremo para apurar fake news, quando admitiu o uso de censura prévia.

As primeiras críticas de juízes à iniciativa de Toffoli revelavam o temor de que o CNJ tente legislar além da Loman e da Constituição Federal, impondo mordaça.

Juízes costumam frequentar diferentes grupos fechados de discussão na internet. Vários magistrados possuem blogs.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme Martins de Oliveira Neto, diz que quase 80% dos juízes e desembargadores utilizam redes sociais. Pede que o CNJ faça audiência pública e ouça a magistratura.

Apenas a título de exemplo sobre os desafios para o grupo de trabalho:

a) Autor de decisões e manifestações polêmicas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, mantém milhares de seguidores que acompanham seus comentários no Twitter. Entre eles, advogados, jornalistas e membros do Ministério Público.

b) Ex-jornalista, o ministro Og Fernandes, do STJ, também escreve no Twitter. Anuncia julgamentos relevantes, esclarece os leitores sobre aspectos do direito e resgata fatos históricos.

Pergunta-se: o CNJ pretende estabelecer parâmetros para o uso das redes sociais por esses ministros?

O CNJ não tem instrumentos (ou disposição) para conter excessos cometidos nas redes sociais por magistrados –casos pontuais, registre-se.

A desembargadora Marilia Castro Neves foi alvo de vários procedimentos disciplinares no CNJ, e vinha desafiando o órgão de controle externo do Judiciário.

Sobre o CNJ, ela escreveu que o “Judiciário somente se prejudica – juntamente com a sociedade – com a existência desse órgão espúrio, cabideiro de empregos, trampolim para os tribunais superiores criado pelo PT! ”.

Também afirmou que “políticos corruptos indicam os conselheiros do CNJ e do CNMP exatamente para terem sua retaguarda garantida”.

Num dos posts, a desembargadora alegou ser vítima de censura:

“É muito importante que lutemos contra esse tipo de censura —esse, sim, um discurso de ódio. Não tanto por mim, mas pela garantia do sagrado direito de expressão!!! Se me calarem hoje, amanhã todos estaremos calados!!!”, postou ela.

O grupo de trabalho criado por Toffoli foi formado depois da frustrada tentativa do CNJ de julgar manifestações de magistrados durante a campanha que elegeu o presidente Jair Bolsonaro.

A Corregedoria Nacional de Justiça recuou da tentativa de enquadrar 11 magistrados que se manifestaram nas eleições de outubro.

O CNJ informa que o grupo de trabalho sobre redes sociais enviou questionário aos 18 mil magistrados em todo o país. A portaria assinada por Toffoli no dia 2 de maio prevê que o grupo deverá concluir seus trabalhos no prazo de 30 dias.

Aparentemente, o tempo é insuficiente para o grupo digerir as respostas e apresentar sugestões concretas sobre um tema tão sensível. A conferir.