‘Judiciário serve para fiscalizar e não para fazer acordo de governo’
O texto a seguir é de autoria de Alfredo Attié, presidente da Academia Paulista de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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A imprensa noticia a intenção de o presidente da República e os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal acordarem um “pacote-Brasil”, também denominado de “pacto”, no mês de junho.
O presidente da República, politicamente enfraquecido, mas insistindo em um projeto cujos termos confrontam manifestações claras da vontade popular e democrática, expressas não apenas nas ruas, em 15 de maio, mas sobretudo nos termos das normas constitucionais, tentará convencer os demais a apoiarem a sua reforma da Previdência e seus cortes e privatizações. Ou, no menos ruim dos casos, tentará um ponto de equilíbrio entre suas propostas e o que pretendem os parlamentares.
Nos dois casos, a presença do presidente do STF não só é desnecessária como se torna desaconselhável, mesmo vedada pela Constituição e pela natureza de suas funções.
O Judiciário serve para fiscalizar e não para fazer acordo de governo ou se imiscuir em questões de decisão política-administrativa.
Nos dois casos, o grande obstáculo está em que o presidente da Câmara e o presidente do Senado já declararam que têm como guia ou chefe o ministro da Economia, quando o correto e esperado, do ponto de vista constitucional, seria terem admitido que seu guia e chefe é o povo brasileiro, a quem devem o mandato, e a Constituição, que lhes impõe deveres e lhes cobra ações pautadas na legalidade.
Nada de bom nem jurídico se deve esperar desse “pacote” ou pacto.
Não foi para isso que o povo brasileiro saiu às ruas no dia 15 e voltará, neste dia 30 de maio, sempre liderado pelos estudantes.
O povo brasileiro quer o respeito e o cumprimento da Constituição. Sabe que lá estão seus direitos e deveres. Não vai aceitar mais um “pacote” ou pacto.
Os trunfos de qualquer presidente ou mandatário são de pouco valor, quando confrontam a Constituição.
Se o Congresso e o STF se curvarem ao que pretende o presidente, vai haver um aprofundamento da crise institucional, agravada pela crise de legitimidade.
Devo ser muito claro, aqui, para que ninguém tenha dúvida a respeito: o Brasil é um Estado Democrático de Direito. O pacto que existe entre o povo brasileiro (que é quem detém o poder, ou seja, nós) chama-se Constituição da República Federativa do Brasil.
Os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não têm e não podem ter pacto nenhum entre eles. Esses poderes devem obediência à Constituição, ou seja, ao nosso pacto, ao do povo brasileiro.
Não se pode admitir nem reconhecer pacto entre esses poderes.
Portanto, a ideia de se fazer um pacto ou a estipulação de pacto formal ou informal, ou “pacote”, entre o presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal é inconstitucional e sujeita qualquer um dos que firmarem tal pacto, seja qual for seu conteúdo, a sanção, por crime de responsabilidade, abuso e desvio de poder.
NÃO, deve-se dizer NÃO a qualquer ato que contrarie a Constituição.
Independência e harmonia entre os poderes é obediência à Constituição. Exercer a função é coisa muito diversa de abuso e desvio de poder.
A sociedade brasileira se deve mobilizar imediatamente contra essa iniciativa. Os parlamentares e os ministros e ministras do STF devem impedir que os deputados, senadores e ministros que, ocasional e temporariamente, exercem a função de chefia de Legislativo e Judiciário, levem a cabo tal intento.
Cabe à sociedade e aos poderes constituídos unirem-se contra esse atentado contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito.