Pesquisador pode acessar processo sigiloso de varas de família
O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou na última sexta-feira (31) os pesquisadores a acessarem processos sigilosos de varas de família.
A consulta foi formulada ao CNJ por Júlia Torres Dias, servidora do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e aluna do curso de pós-graduação em Psicologia na Universidade Federal da Bahia. (*)
Ela indagou:
“A dispensa do consentimento para o acesso às informações pessoais para fins de pesquisa científica acadêmica de mestrado, vedada a identificação da pessoa a que a informação se referir, realizada por servidor público legalmente autorizado, engloba processos que tramitam em segredo de justiça em Varas de Família?
O relator, conselheiro Henrique Ávila, respondeu em seu voto:
1. o acesso a processos sobre estado e filiação das pessoas, que, nos termos do art. 189, II, do Código de Processo Civil, tramitam em segredo de justiça, pode ser conferido para a realização de pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, vedada a identificação da pessoa a que a informação se referir, nos termos do art. 34, I, da Res. CNJ n. 215, de 2015;
2. compete ao magistrado, após assinatura de termo de responsabilidade pelo requerente e análise da evidência do interesse público ou geral veiculado na pesquisa, e da anonimização dos dados, autorizar o acesso a processo(s) para as estritas finalidades e destinação apresentadas no pedido; e
3. o acesso para a realização de pesquisa científica será certificado em todos os autos consultados para ciência das partes e de seus procuradores.
O Blog pediu comentário ao desembargador aposentado Caetano Lagrasta, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele é autor de obras jurídicas que tratam de temas sobre Direito de Família. (**)
Eis a sua avaliação.
O acórdão merece atenção e observações:
1. Ao momento de minha aposentadoria e ingresso na Advocacia, representei sem sucesso, como já o fizera anteriormente, ao Instituto dos Advogados de São Paulo e ao Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que fosse permitida a troca dos nomes das partes por suas iniciais, desde o momento da lavratura de quaisquer atos em primeira e segunda Instâncias. A assessoria da Presidência do tribunal alegou que não era possível em razão de problema “insolúvel” na programação de digitalização, especialmente em relação ao “scanner”…
2. Desta forma a jurisprudência nas questões de Família, no estado de São Paulo, desde sempre ficou prejudicada e assim o trabalho dos Advogados na consulta e citação de antecedentes jurisprudenciais.
3. A primeira observação prende-se à notícia da Folha, desta data [4], em que há extensa denúncia sobre os entes públicos (especialmente o Ministério da Marinha) negando acesso a milhares de pedidos da mídia.
4. Assim, deixar a critério do magistrado quer parecer que os pedidos terão pouco sucesso, pois o temor seria maior se a autorização fosse dada pela Corregedoria Geral da Justiça, com recurso à eventual negativa, ao Órgão Especial dos respectivos estados. Ademais, o pedido somente seria deferido após apresentação do objetivo e respectivo financiamento da pesquisa, sempre que possível ligado à Universidade e acrescido de Termo de Confidencialidade – com prescrição de condenação no caso de quebra de sigilo ou utilização das informações sigilosas sobre as partes, em quaisquer circunstâncias.
5. Evidente, que isto não se aplica se a consulta for para citação da ementa por parte do advogado e esteja a pesquisa dirigida tão-somente ao teor da decisão (de primeiro e segundo graus) resguardados nomes ou individuação e reconhecimento das partes envolvidas.
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(*) Processo: 0005282-19.2018.2.00.0000
(**) Em 2015, Lagrasta foi organizador do “Dicionário de Direito de Família”, junto com José Fernando Simão, professor de Direito Civil da USP. A obra teve consultoria de Sidnei Beneti, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, e reúne quase duas centenas de autores e mais de três centenas de verbetes.