Juiz sugere afastamento de Moro e criação de CPI

O texto a seguir é de autoria de Alfredo Attié Junior, presidente da Academia Paulista de Direito e juiz substituto em segundo grau no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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A principal nulidade de qualquer processo, sobretudo do processo penal, decorre da suspeição do juiz ou da juíza que profere uma decisão. Foi uma longa construção histórica e difícil.

Em teoria do direito, chama-se princípio do juiz natural.

O juiz deve ser imparcial, não pode decidir se tem interesse no resultado do processo, ou se corrompeu, por exemplo.

Há vários modos de corrupção, na tradição e na teoria da política. No direito, político, eu diria que corrupção é o desvio daquilo que se deve praticar, segundo a lei, em razão de um interesse que a lei considera ilegítimo, ilícito.

Não é uma questão moral, mas jurídica.

O sistema jurídico se corrompe quando o princípio do juiz natural é quebrado. Ou seja, o pior que pode acontecer numa sociedade é o juiz se tornar parcial. Quer dizer, ele não julga mais.

Ele passa a participar do processo, torna-se parte, aconselhando um dos lados, tornando-se próximo, íntimo de uma das partes.

No caso, segundo o que se lê da publicação, não negada pelas pessoas envolvidas, o juiz do caso trocava ideias com o órgão de acusação, sugerindo caminhos e usando, inclusive, o pronome “nós”, primeira pessoa do plural.

O órgão de acusação recebia do juiz impressões e sugestões fora dos autos do processo, em conversas privadas, sem o controle da sociedade e sem que as outras partes, os réus e investigados, soubessem e pudessem se defender e mesmo apresentar representação pelo afastamento do juiz, que se tornava suspeito, ou seja, parcial, interessado no desenrolar do processo e na decisão de condenação.

Vejo como grave a referência a órgãos da mídia, como se aliados fossem, ou, pior, como se a condução se pautasse pela utilização de meios de comunicação, ao ponto de se poder pensar em manipulação da opinião pública.

É extremamente grave, porque o ato ilegal de um juiz ou de uma juíza, seja quem for, influencia na visão que a sociedade tem do judiciário como um todo. Faz desaparecer o laço de confiança que a sociedade deveria ter no Estado, no Judiciário.

É uma forma de corrupção, do ponto de vista da política, sobretudo, pois a sociedade somente pode acreditar e cumprir as leis se as vê como justas, como legítimas. E o Judiciário é o guardião dessa legitimidade, dessa justiça na aplicação das leis.

Do ponto de vista objetivo, do direito, a presença do juiz parcial, suspeito, gera nulidade absoluta de suas decisões.

Isto quer dizer que qualquer tribunal, ao tomar conhecimento desse vício, dessa ilegalidade, do cometimento de atos em desconformidade com o que é lícito, deve declarar a nulidade. E é importante ressaltar que o fato se tornou público, inclusive com a confirmação, pela imprensa, dos próprios envolvidos.

Todos sabemos, inclusive os membros de tribunais, seja o regional, sejam os superiores. Basta que advogados e advogados façam uma representação, referindo sobretudo os casos referidos nas conversas divulgadas.

Mas além disso, mais grave ainda para a credibilidade de nosso sistema de justiça, que afeta inclusive a imagem internacional do Brasil, é o fato de lançar uma nuvem de incerteza sobre as operações em geral, e o resultado de investigações e de processos.

Se já havia críticas mais gerais, advindas de confronto das decisões com princípios do contraditório e da ampla defesa, inclusive com aquele da presunção constitucional de inocência, agora a questão se torna mais concreta, do ponto de vista do questionamento sério da imparcialidade.

Se os tribunais não esclarecerem os fatos e mesmo o chefe do Executivo não se posicionar em favor da legalidade, teremos uma crise grave, com repercussão internacional.

Penso que deve haver investigação dos órgãos de controle, invalidação de decisões e mesmo de atos do Ministério Público e punição dos responsáveis.

O TRF, o STJ, o STF devem investigar. As Corregedorias do MP e do TRF, e os Conselhos Superiores, assim o CNJ e e o CSMP.

Ainda, o presidente da República, pois um dos envolvidos está em exercício de função política.

Uma CPI servirá para sustentar politicamente as investigações, o que se mostra importante, para manter a sociedade informada e possibilitar um controle maior da sociedade, sua fiscalização.

Para declaração de nulidade, basta que haja representação de advogados e advogadas nos casos citados nas conversas e naqueles em relação aos quais houve consequências para investigação e processo.

É importante dizer que se trata de uma operação totalmente encadeada. Os processos, por exemplo, envolvendo o ex-presidente Lula somente foram julgados em Curitiba por causa dessa conexão, desse encadeamento.

O resultado em relação à carreira política do ministro da Justiça, o ex-juiz Moro, dependerá do posicionamento do Presidente.

Penso que ele tem o dever de se manifestar em favor da legalidade. Do contrário, poderá levantar a suspeita de que estaria premiando uma conduta que pode indicar comprometimento da legitimidade de sua eleição.

É bom lembrar que mesmo o convite ao então juiz Moro para participar do Ministério foi feito ainda estando em curso o processo eleitoral. Isso a par da questão não esclarecida de compromisso de indicação a vaga no STF.

Nesse caso, deveria haver o afastamento do ministro.

Mas não é possível prever o que o presidente Bolsonaro vai fazer. Ele deve, em tese, preservar seu governo de uma dúvida de ilegitimidade. Se fizer o oposto, a crise vai se aprofundar, pois vivemos momento de contestação de legitimidade.