Juiz federal atribui a Moro desencanto com a jurisdição criminal
Sob o título “Carta aberta ao Ministro Sergio Moro de um ex-juiz federal criminal“, o texto a seguir é de autoria de Gilton Batista Brito, juiz federal em Sergipe. (*)
O autor foi juiz federal na 11ª Vara Federal de Goiânia, especializada em lavagem de dinheiro, de junho de 2005 a dezembro de 2008. Em abril de 2013, em artigo neste Blog, criticou o tratamento dispensado pelo então presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, a dirigentes de associação de magistrados recebidos em audiência.
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Sr. Ministro,
Nos idos de 2005, o destino me ofereceu duas alternativas para iniciar no cargo de juiz federal: o juizado especial, para lidar com causas de pequeno valor e de menor complexidade, ou a vara criminal, que envolveria grandes investigações criminais e réus poderosos.
Em grande parte pelo vosso exemplo como magistrado então, escolhi a segunda opção e processei ações penais de vulto, condenando grandes traficantes de drogas, traficantes de pessoas, ladrões de banco e criminosos do colarinho branco. A todos eles foram garantidos valores essenciais de um processo justo: o contraditório e a ampla defesa, sem prejulgamento. Em três anos e meio de atuação, nunca houve alegação fundada de parcialidade.
Certamente, porque nunca entabulei conversas inteiras ou fragmentos sugerindo troca de membros da acusação ou que esta não recorresse de decisões. Sempre dialoguei com membros do Ministério Público e advogados de defesa, recebendo ambos em gabinete e em audiência com igual receptividade.
É oportuno dizer ainda que nunca descumpri decisão judicial beneficiando a acusação ou a defesa, ainda mais em férias e em processo de outro juiz.
Nunca aceitei –nem deveria aceitar– convite para colaborar em época de eleições com candidatos adversários políticos de acusados. Em realidade, nunca houve tal convite. Nunca aceitei –nem deveria aceitar– assumir cargo no Executivo chefiado por adversários políticos de denunciados, ainda mais permanecendo na magistratura.
Para ser sincero, também nunca houve tal convite.
Nunca disse que não aceitaria cargo político, porque isso afetaria a noção pública de imparcialidade judicial, para meses depois aceitar tal cargo. Para ser honesto, vou aposentar na magistratura.
Nunca divulguei nota em favor de manifestações de rua contra acusados, mesmo sendo alvo certa vez de passeata convocada por um deles.
Nunca adversários políticos de réus prometeram, antes ou depois de eleições, em público ou privado, vaga em tribunal.
Continuo juiz, Sr. Ministro. Agora, em juizado especial e com a mesma busca da imparcialidade, porque não diz respeito apenas a mim mas à instituição.
Aquele entusiasmo com a atuação criminal passou, muito pelo vosso exemplo, que ora vem a público de modo significativo.
Aliás, juridicamente, a partir de agora vossas conversas podem ser amplamente noticiadas sem a pecha de crime porque de modo oficial abriu mão do direito à privacidade em desafio a jornalista. Reconheço uma coerência aí pois lembro de ouvi-lo dizer certa vez que o sol é o melhor detergente ao negar privacidade a acusados e investigados.
Digo por fim que Vossa Excelência está em débito com o Poder Judiciário do Brasil.
Não apenas pelo enorme prejuízo, na sociedade brasileira e internacional, ao conceito de integridade da nossa jurisdição.
Também porque deu azo ao fortalecimento no Legislativo de propostas de tipificação penal genérica de abuso judicial de autoridade e, pior, do fim da vitaliciedade, sérias ameaças à atuação verdadeiramente independente.
Espero que use do capital político, devido unicamente à condição de ex-juiz que sabe como não se deve pautar, para impedir o sucesso de tais projetos.
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(*) O autor é Mestre em Direito e Professor Universitário.