Ética e abuso de autoridade, segundo Fausto de Sanctis e Gilmar Mendes
Do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em entrevista a Rafael Moraes Moura e Andreza Matais, nesta quinta-feira (27), no O Estado de S. Paulo:
Qual a avaliação que o sr. faz do ministro Sergio Moro? Seria recomendável se afastar?
Não vou emitir juízo sobre isso, não é da minha alçada. Acho que essa é uma questão política que terá de ser discutida no âmbito político.
Sergio Moro está na sua lista de falsos heróis?
Eu não coloquei. O que eu acho é que faz parte do nosso processo civilizatório, nós temos de encerrar esse ciclo de ficar na busca de heróis. Eles são apresentados por vocês (mídia) como tal e eles passam a acreditar nisso. Depois, coitados, passam a ter um grande problema de depressão, obviamente antes de desaparecerem por completo.
(…)
O Senado Federal aprovou ontem o projeto de abuso de autoridade. O sr. é a favor, mas a Lava Jato é contra.
A lei hoje existente é de 1965, está toda ultrapassada. Ninguém cogitava fazer lei contra operações policiais ou grupos, ou coisa do tipo. Ali aparecem todos os exageros de juízes, promotores, policiais, auditores fiscais, de membros de CPI, veja que a toda hora estamos dando, eu mesmo dei várias liminares contra condução coercitiva, de depoentes em CPI, ou mesmo para assegurar o direito ao silêncio. Então, a mim me parece que isso é inclusive um instrumento de reequilíbrio dessa relação que é de hipossuficiência do cidadão frente às autoridades.
Não vai intimidar juízes e investigadores?
O próprio nome ‘juiz de direito’ supõe que seja ‘juiz de direito’, não ‘juiz do errado’. O juiz falar: ‘Preciso ter mais liberdade, fazer algo mais enfático, quem sabe dar um tapa no réu?’ Quer dizer, não, isso não pode. Então, cumprir a lei no seu rigor. Quem é rigoroso para com os outros tem de ser para consigo mesmo.
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Do juiz Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em entrevista a Mario Cesar Carvalho, nesta quinta-feira (27), na Folha:
O sr. considera que o Supremo tem problemas mais graves do que a primeira instância?
O Supremo tem sido reconhecido como o primeiro violador da ética judicial. Não se reconhece em muitos ministros a figura de um magistrado, mas de um político. Não deveria haver qualquer contato e proximidade política.
O sr. está se referindo ao ministro Gilmar Mendes?
Não estou falando de ninguém. Alguns são reconhecidos como exemplo antiético de um magistrado. Esses são os primeiros a apontar o dedo em riste para juízes de primeiro grau. As violações éticas começam, na verdade, ali.
Quando o Supremo, em determinadas decisões, rompeu a barreira do respeito, ele não pode exigir respeito por parte da população.
Eu costumo dizer que é pelo olhar das instituições que o direito é revelado. Mas é pelo olhar da população que as instituições são reconhecidas.
(…)
Qual a opinião do sr. sobre o projeto de lei que altera o crime de abuso de autoridade para juízes?
Esse projeto é estapafúrdio. Isso começou em 2009 para deter aqueles que cuidavam de grandes operações. Em 2008, eu julguei a Satiagraha; em 2009, a Castelo de Areia, que nada mais era do que a Lava Jato antecipada. O projeto de abuso de autoridade surgiu para tolher a independência desses juízes.
O sistema está se rearticulando para tolher as consequências da Lava Jato ou futuro da Lava Jato. A Lava Jato foi vitoriosa na primeira e na segunda instância. Entre os políticos, só há um condenado pelo Supremo.
A Lava Jato começou em 2014. Que Poder Judiciário é esse que blinda os políticos de certa forma? Não por má-fé, mas por um sistema disfuncional e com absoluta falta de eficácia no combate à criminalidade dos políticos.