Sobre sigilo da fonte e fatos criminosos

Frederico Vasconcelos

Sob o título “O sigilo da fonte diante de fato criminoso”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

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Bem disse Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, volume II, pág. 81) que a Constituição consagrou o chamado direito de se informar.

Por sua vez, o acesso à informação ganhou uma conotação particular quando é levado a efeito por profissionais, os jornalistas.

A Constituição assegura o sigilo da fonte. Assim nem a lei, nem a Administração, nem os particulares podem compelir um jornalista a denunciar a pessoa ou o órgão de quem obteve a informação.

A medida tomada pela Constituição é imperativa no sentido de resguardar o bom desempenho da atividade de informar.

Bem se diz que com o sigilo da fonte ampliam-se as possibilidades de recolhimento de material informativo.

O sigilo da fonte é alçado a direito fundamental. Basta ver que, se um jornalista, um comentarista, um apresentador ou radialista for interpelado criminalmente, não estará obrigado a indicar o nome do informante ou mesmo o local onde conseguiu a notícia.

Resguarda a Constituição o direito do informador.

Lembre-se a lição do Ministro Celso de Mello, no julgamento do Inq. 870-02/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 15 de abril de 1996, quando disse que o sigilo da fonte corrobora uma “garantia de ordem jurídica que, outorgada a qualquer jornalista em decorrência de sua atividade profissional, destina-se, em última análise, a viabilizar, em favor da própria coletividade, a ampla pesquisa dos fatos ou eventos cuja revelação se impõe como consequência ditada por razões de estrito interesse público(…). Isso claramente significa que a prerrogativa concernente ao sigilo da fonte, longe de qualificar-se como mero privilégio de ordem pessoal ou estamental, configura, na realidade, meio essencial de concretização do direito constitucional de informar, revelando-se oponível, em consequência, a quaisquer órgãos ou autoridades do Poder Público, não importando a esfera em que se situe a atuação institucional dos agentes estatais interessados.”

Disse ainda o ministro Celso de Mello, naquela decisão que, “a proteção constitucional que confere ao jornalista o direito de não proceder a disclosure da fonte de informação ou de não revelar a pessoa de seu informante desautoriza qualquer medida tendente a pressionar ou a constranger o profissional de imprensas a indicar a origem das informações a que teve acesso.”

Assim os jornalistas assim agindo, no exercício legítimo de uma prerrogativa constitucional, não podem sofrer qualquer sanção penal, civil ou administrativa.

Diz-se que “o sigilo da fonte é irmão siamês da liberdade de informação”.

Repita-se que tal liberdade pressupõe os direitos de informar, de se informar e de ser informado, sem os quais não há Estado de Direito e muito menos democracia.

Pois bem.

As recentes publicações de conversas que teriam havido entre um juiz federal e procuradores sobre o caso da condenação do ex-presidente Lula pelo site Intercept nos levam à pergunta sobre a possibilidade de quebra do sigilo da fonte.

Há sem dúvida a prática de crime descrito no artigo 154 – A do Código Penal que deve ser objeto de ampla apuração, no que respeita a materialidade e a autoria criminosa.

Fala-se num absolutismo do sigilo da fonte.

José Afonso da Silva parece que não concorda com esse absolutismo, quando assim proclama:

“Discute-se se o profissional da informação pode invocar o sigilo da fonte nos casos em que a informação revele ação criminosa ou proteja criminoso procurado pela Justiça. Parece-nos que o exercício profissional não pode servir de escudo ao crime. Portanto, numa situação como tal, o profissional fica sujeito a revelar a fonte, se o Judiciário o exigir”. (“in”Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.  p. 110).

Há a decisão do Judiciário dos Estados Unidos da América no caso “Branzgburg versus Hayes”, ao determinar a possibilidade de jornalistas revelarem, no grande júri, as suas fontes.

Tem-se a primeira emenda à Constituição americana:

“O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”.

A Primeira Emenda não desobriga um repórter de jornal da obrigação de que todos os cidadãos tenham que responder a uma intimação do júri e responder questões relevantes para uma investigação criminal, e, portanto, a Emenda não lhe proporciona um privilégio constitucional de um acordo que ele faça para ocultar fatos relevantes para a investigação de um crime pelo grande júri ou para ocultar a conduta criminosa de sua fonte ou provas.

Segundo o Legal Information Institute tem-se:

“Opinião do Tribunal por MR. JUSTIÇA BRANCA, anunciada pela CHEF JUSTICE.

A questão nesses casos é se exigir que jornalistas apareçam e testifiquem antes que os grandes júris estaduais ou federais reduzam a liberdade de expressão e de imprensa garantida pela Primeira Emenda. Sustentamos que isso não acontece.

O mandado de certiorari no n. 70-85, Branzburg v. Hayes e Meigs, traz perante nós dois acórdãos do Tribunal de Apelações do Kentucky, ambos envolvendo o peticionário Branzburg, um repórter do jornal Courier-Journal, um jornal diário publicado em Louisville. Kentucky

Em 15 de novembro de 1969, o Courier-Journal publicou uma reportagem sob a responsabilidade do peticionário, descrevendo detalhadamente suas observações de dois jovens moradores do condado de Jefferson sintetizando haxixe da maconha, atividade que, afirmavam, lhes rendeu cerca de US$ 5.000 em três semanas.

O artigo incluía uma fotografia de um par de mãos trabalhando sobre uma mesa de laboratório na qual uma substância era identificada pela legenda como haxixe. O artigo afirmava que o peticionário prometera não revelar a identidade dos dois fabricantes de haxixe.

O peticionário foi intimado em breve pelo júri do Condado de Jefferson; ele apareceu, mas se recusou a identificar os indivíduos que ele vira possuindo maconha ou as pessoas que ele havia visto fazendo haxixe da maconha.

Um juiz do tribunal estadual ordenou que o peticionário respondesse a essas perguntas e rejeitou sua alegação de que o estatuto de privilégio dos repórteres do Kentucky, Ky.Rev.Stat. § 421.100 (1962) a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, ou §§ 1, 2 e 8 da Constituição de Kentucky autorizou sua recusa em responder. 

O peticionário então pediu proibição e mandado no Tribunal de Apelações de Kentucky com o mesmo fundamento, mas a Corte de Apelações negou a petição. Branzburg v. Libra, 461 SW2d 345 (1970), modificada na recusa de nova audição, em 22 de janeiro de 1971. Considerava que o peticionário havia abandonado seu argumento da Primeira Emenda em um memorando suplementar que havia arquivado e rejeitado tacitamente seu argumento. baseado na Constituição de Kentucky.

Ele também interpretou Ky.Rev.Stat. § 421.100 como dando a um jornalista o privilégio de se recusar a divulgar a identidade de um informante que lhe forneceu informações, mas considerou que a lei não permitia que um repórter se recusasse a testemunhar sobre eventos que ele havia observado pessoalmente, incluindo as identidades dessas pessoas que ele havia observado.

O segundo caso envolvendo o peticionário Branzburg surgiu de sua história posterior, publicada em 10 de janeiro de 1971, que descrevia em detalhes o uso de drogas em Frankfort, Kentucky.

O artigo relatou que, para fornecer uma pesquisa abrangente sobre o “cenário das drogas” em Frankfort, o peticionário “passou duas semanas entrevistando várias dezenas de usuários de drogas na capital” e viu alguns deles fumando maconha. Várias conversas e observações de vários usuários de drogas não mencionados foram recontadas.

Convidado a comparecer perante um grande júri do condado de Franklin “para testemunhar em matéria de violação dos estatutos relativos ao uso e venda de drogas”, o peticionário Branzburg mudou-se para anular a convocação; a moção foi negada, embora tenha sido emitida uma ordem protegendo Branzburg de revelar “associações, fontes ou informações confidenciais”, mas exigindo que ele “respondesse a quaisquer perguntas que digam respeito ou a qualquer ato criminoso, cuja comissão tenha sido realmente observado por [ele].

“Antes da data prevista para comparecer perante o Grande Júri, o peticionário buscou mandado e proibição do Tribunal de Apelações de Kentucky, argumentando que, se ele fosse forçado a comparecer perante o Grande Júri ou a responder perguntas sobre a identidade dos informantes ou a divulgar informações dadas a ele em confiança, sua eficácia como repórter seria muito prejudicada.

O Tribunal de Apelações negou mais uma vez os pedidos solicitados, reafirmando sua construção de Ky.Rev.Stat.§ 421.100, e rejeitando a reivindicação do peticionário de um privilégio da Primeira Emenda. Distinguiu Caldwell v. Estados Unidos,434 F.2d 1081 (CA9 1970), e também anunciou sua “dúvida” sobre essa decisão, afirmando que representava “um afastamento drástico da regra geralmente reconhecida de que as fontes de informação de um repórter de jornal não são privilegiadas sob a Primeira Emenda “. 

Caracterizou o medo do peticionário de que sua capacidade de obter notícias seria destruída como tão tênue que, na opinião deste tribunal, não apresenta uma questão de abreviação da liberdade de imprensa, na acepção do termo usado na Constituição dos Estados Unidos.

O peticionário solicitou um mandado de certiorari para revisar ambos os julgamentos do Tribunal de Apelações do Kentucky.  

O tribunal considerou que a Primeira Emenda proporcionava ao réu o privilégio de recusar a divulgação de tal informação confidencial até que houvesse uma demonstração pelo governo de um interesse nacional imperioso e imperioso em exigir o testemunho do Sr. Caldwell que não pode ser servido por nenhum meio alternativo.

O editor de um jornal não tem imunidade especial à aplicação de leis gerais. Ele não tem privilégio especial para invadir os direitos e liberdades dos outros.

Em Branzburg v. Hayes (1972), a Suprema Corte dos EUA decidiu (5–4) que, embora a Primeira Emenda proteja as atividades profissionais de jornalistas, não concede imunidade a intimações do grande júri que buscam informações relevantes para uma investigação criminal ou civil.

Tal privilégio só pode ser estabelecido por meio de legislação, afirmou o tribunal.

Após a decisão, vários estados adotaram leis de proteção (ou modificaram as leis de proteção existentes) para promulgar de formas variadas a imunidade qualificada endossada pela Justiça. Potter Stewart , cuja dissidência em Branzburg se juntou a outros dois juízes (uma quarta, William O. Douglas, apresentou sua própria dissidência).

De acordo com Stewart, é legalmente apropriado buscar informações confidenciais de jornalistas somente se (1) as informações forem altamente relevantes para a investigação, (2) o governo tiver um interesse irresistível e superior na obtenção das informações e (3) as informações não podem ser obtidas por outros meios. (Em alguns estados, proteções aproximadamente equivalentes foram adotadas por meio da jurisprudência.)

Algumas leis de blindagem estaduais foram aplicadas a casos civis e criminais, enquanto outras se aplicaram apenas a casos civis.

Será o sigilo da fonte absoluto diante de graves fatos que são trazidos ao público, através de conduta criminosa, e que dizem respeito ao interesse do Estado?

Certamente a matéria deverá ser objeto de discussão nos tribunais, podendo chegar ao Supremo Tribunal Federal.

Mas, repita-se aquela lição trazida de José Afonso da Silva, em obra referenciada, de que o exercício profissional não pode servir de escudo ao crime. Portanto, numa situação como tal, o profissional fica sujeito a revelar a fonte, se o Judiciário o exigir.

Será, pois, caso de excepcional abertura do sigilo da fonte que não pode servir de escudo a uma prática criminosa.