Magistrada acusada de ofender Marielle Franco e Jean Wyllys é ré em nova ação
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça recebeu nesta quarta-feira (7) queixa-crime de calúnia apresentada pela família da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, contra a desembargadora Marília de Castro Neves Vieira, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Há vários pontos em comum com a decisão da mesma corte, em maio deste ano, quando recebeu queixa-crime (peça inicial da ação criminal) contra a desembargadora, acusada de injúria pelo ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ).
Nos dois casos, o tribunal decidiu em ação penal privada, ou seja, quando a ação é movida pela própria vítima ou familiares –e não por iniciativa do Ministério Público.
O ex-deputado e a família de Marielle recorreram à Justiça diante de postagens consideradas ofensivas de Marília de Castro Neves.
Os dois exemplos confirmam –como este Blog já registrou– que há instrumentos legais para coibir –sem censura prévia ou ameaça de mordaça– os excessos cometidos por magistrados nas redes sociais.
Igualmente, nos dois casos a Corte decidiu a partir dos votos de duas relatoras: ministra Laurita Vaz (na ação da família de Marielle) e ministra Nancy Andrighi (na ação de Jean Wyllys).
Nos dois julgamentos, houve o destemor dos ofendidos e a independência de julgadores que não cedem ao corporativismo.
Postagem contra Marielle
Os pais, a irmã e a companheira de Marielle apresentaram a queixa-crime após uma postagem da desembargadora em rede social na qual afirmou que a vereadora assassinada estava “engajada com bandidos” e teria sido eleita com a ajuda de uma facção criminosa. A desembargadora atribuiu a morte de Marielle ao seu “comportamento, ditado por seu engajamento político”.
A defesa da magistrada alegou, entre outros pontos, que os fatos trazidos na queixa-crime não se enquadram no delito de calúnia, mas no de difamação, na medida em que não se imputou à vítima qualquer fato determinado capaz de ser caracterizado como delito. Ressaltou que não existe na legislação penal o crime de difamação contra os mortos, de modo que a conduta seria atípica.
Em seu inteiro teor, a desembargadora publicou:
“A questão é que a tal Marielle não era apenas uma ‘lutadora’; ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores. Ela, mais do que qualquer outra pessoa ‘longe da favela’, sabe como são cobradas as dívidas pelos grupos entre as quais ela transacionava. Até nós sabemos disso. A verdade é que jamais saberemos ao certo o que determinou a morte da vereadora, mas temos certeza de que seu comportamento, ditado pelo seu engajamento político, foi determinante para seu trágico fim. Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”.
A ministra Laurita Vaz entendeu que a primeira insinuação da mensagem da desembargadora – relacionada ao fato de Marielle fazer parte de organização criminosa – encontra adequação típica no artigo 2° da Lei 12.850/2013 (“promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”), devendo, nessa parte, ser aceita a queixa-crime.
A relatora acolheu o parecer do Ministério Público Federal, que se manifestou pelo recebimento parcial da queixa-crime, ressaltando que “a querelada não apenas afirma que Marielle foi eleita pelo Comando Vermelho, mas, mais do que isso, assumiu ‘compromissos’ com seus apoiadores (e teria sido assassinada justamente por não cumpri-los).”
Postagem contra Wyllys
Na queixa-crime oferecida por Jean Wyllys, a magistrada foi acusada de injúria.
A relatora Nancy Andrighi admitiu a hipótese de ter havido a “intenção deliberada [de Marília] de injuriar, denegrir, macular ou de atingir a honra do querelante [Jean]”.
Em 2015, Marilia Castro Neves teria sugerido no Facebook um “paredão profilático” para Jean Wyllys, “embora não valha a bala que o mate e o pano que limparia a lambança”.
Em sua defesa, a desembargadora afirmou que a sua publicação foi tirada de contexto e que ela não quis ofender Jean Wyllys.
Marília Castro Neves foi alvo de vários procedimentos disciplinares no Conselho Nacional de Justiça, e vinha desafiando o órgão de controle externo do Judiciário.
Sobre o CNJ, ela escreveu que o “Judiciário somente se prejudica – juntamente com a sociedade – com a existência desse órgão espúrio, cabideiro de empregos, trampolim para os tribunais superiores criado pelo PT!”.
Também afirmou que “políticos corruptos indicam os conselheiros do CNJ e do CNMP exatamente para terem sua retaguarda garantida”.
Num dos posts, a desembargadora alegou ser vítima de censura:
“É muito importante que lutemos contra esse tipo de censura —esse, sim, um discurso de ódio. Não tanto por mim, mas pela garantia do sagrado direito de expressão!!! Se me calarem hoje, amanhã todos estaremos calados!!!”, postou ela.