Mudança no Coaf pode ferir regras internacionais

Sob o título “Uma preocupante mudança no combate à corrupção”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

 

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A medida provisória que alterou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf abre brecha para indicações políticas no órgão que o substituiu, a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), ao permitir pessoas de fora da administração pública em cargos de comando.

A mudança pode ferir as regras do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), entidade internacional que não admite ingerência política, de governos ou empresas.

Essa medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro amplia o número de categorias que podem ceder servidores para a UIF e estende a nomeação mesmo para quem não é servidor público.

Representantes das carreiras que tinham exclusividade para compor o Coaf e especialistas em transparência na administração pública avaliam que a abertura da UIF —agora subordinada ao Banco Central (BC)— pode pôr em risco a independência do órgão.

A nova Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 12.683/12) reforçou a importância do Coaf, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na lei, sem prejuízo da competência de instituições como o Banco Central (autoridade bancária) e a Receita Federal do Brasil, em assuntos tributários.

A Receita Federal conservará os dados fiscais dos contribuintes pelo prazo mínimo de cinco anos, contado a partir do início do exercício seguinte ao da declaração da renda respectiva ou ao do pagamento do tributo, levando em conta o conceito de decadência tributária.

A medida provisória vai de encontro à lei de lavagem de dinheiro e a normas internacionais.

No caso do Brasil, a Lei 9.613/98 criou o Coaf (artigos 14 a 17) como unidade de inteligência financeira do sistema nacional de prevenção, estabeleceu regras de adequação para certos sujeitos obrigados, integrantes de setores econômicos relevantes (artigos 9 a 11); instituiu responsabilidade administrativa dos sujeitos obrigados (artigo 12) e, finalmente, criou o cadastro nacional dos clientes do sistema financeiro nacional (artigo 10 – A).

A lei que criou o Coaf dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens. Há uma lista de instituições que são obrigadas legalmente a enviar informações sobre operações financeiras e transações de altos valores ou feitas em dinheiro vivo. Na lista estão bancos, joalherias, seguradoras, imobiliárias, administradoras financeiras, entre outras.

A lei brasileira seguiu o modelo adotado pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), criado em 1989, sob os auspícios da OCDE e do G-8. No ano seguinte, o GAFI expediu suas 40 recomendações, que servem de baliza para a prevenção e o combate ao crime de lavagem de dinheiro.

O GAFI reúne as unidades de inteligência financeira dos vários países chamados cooperantes, inclusive o Coaf, e tem representações regionais.

O trabalho do Coaf mostrou-se importante, visando a identificação de todos os autores e coautores do crime e a localização dos ativos reciclados, de modo a permitir a condenação dos culpados e o perdimento do proveito, produto e instrumentos do crime.

O Banco Central, como autoridade monetária, à luz da Lei 4595/64, recebe as notícias das instituições financeiras sujeitas à sua fiscalização e as repassa ao Coaf. O mesmo padrão é seguido por outras autarquias como a Susep e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

O ideal seria que o novo órgão, que substitui o Coaf, estivesse subordinado ao Ministério da Justiça. Mas, como a participação do Banco Central sempre foi essencial na coleta desses dados importantes, pelo menos fica o mal menor de estar sob a égide da autoridade monetária do Brasil.

Em seu papel originário, caberia ainda ao Coaf coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.

Para isso o Coaf poderia requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas e, ainda, comunicar às autoridades competentes tais fatos, visando a instauração de procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos em lei.

Não se trata de quebra de sigilo bancário, mas de formação de banco de dados de pessoas envolvidas em operações suspeitas, matéria que exige aplicação de discricionariedade administrativa, onde, na hipótese de oportunidade e conveniência, a Administração, sem fugir dos limites legais e na devida proporcionalidade, agirá a bem do interesse da sociedade.

Nas palavras da ministra Ellen Gracie, como consta de voto no RE 389808, julgado em 24 de novembro de 2010, é necessário fazer distinção entre quebra de sigilo e transferência de sigilo, que passa dos bancos ao Conselho. O dados, até então protegidos pelo sigilo bancário, prosseguem ainda protegidos pelo sigilo a ser mantido pelo Coaf.

É, de todo, pois, preocupante a mudança na legislação enfocada.