Atentado a bomba no Riocentro volta a julgamento

O Superior Tribunal de Justiça julga na próxima quarta-feira (28) recurso do Ministério Público Federal contra decisão que determinou o trancamento da ação penal contra os denunciados no atentado a bomba no Riocentro, em 1981, no Rio de Janeiro. (*)

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ-ES) considerou extinta a punibilidade de agentes estatais que trabalhavam no DOI (Destacamento de Operações de Informações) e no SNI (Serviço Nacional de Informações).

O recurso discute se o atentado caracterizou-se como crime contra a humanidade, sobre o qual não incidem as regras de prescrição de cada país.

O relator é o ministro Rogerio Schietti Cruz. O recurso será julgado pela 3ª Seção do STJ.

Foram denunciados: Wilson Luiz Chaves Machado, coronel reformado; Claudio Antonio Guerra, ex-delegado do Departamento da Ordem Política e Social (Dops), e os generais reformados Nilton de Albuquerque Cerqueira e Newton Araujo de Oliveira e Cruz, sob as acusações de homicídio doloso tentado, associação criminosa armada e transporte de explosivo.

Newton Cruz foi denunciado ainda pelo crime de favorecimento pessoal. O general reformado Edson Sá Rocha foi denunciado sob a acusação de associação criminosa armada e o major reformado Divany Carvalho Barros, por fraude processual.

Segundo a denúncia, Newton Cruz, então chefe da Agência Central do SNI, identificou dois agentes do DOI que participaram do ataque a bomba ao Riocentro, deixou de prendê-los, escondeu suas identidades e ocultou seu paradeiro

Wilson Machado transportou explosivos no automóvel Puma, de sua propriedade. A bomba explodiu dentro do carro, no estacionamento, matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e causando lesões ao então capitão Machado, que dirigia o veículo.

Divany Carvalho Barros foi acusado de subtrair do interior do Puma uma pistola, uma granada de mão e a agenda de telefones do sargento Rosário.

O MPF ofereceu denúncia, em 13 de fevereiro de 2014, assinada pelos procuradores da República Antonio do Passo Cabral, Sergio Gardenghi Suiama, Ana Cláudia de Sales Alencar, Tatiana Pollo Flores, Marlon Alberto Weichert e Andrey Borges de Mendonça.

Segundo a denúncia, os acusados teriam se associado no início do ano de 1980, a fim de praticar diversos delitos em “contexto de um ataque estatal sistemático e generalizado dos agentes do Estado contra a população brasileira”.

Na véspera do feriado de 1º de maio, se realizava o habitual show do “Dia do Trabalhador, no Riocentro, com diversos artistas e cerca de 20.000 pessoas.

Segundo os autos, o intuito dos acusados era “forjar um ‘ato terrorista subversivo da esquerda armada’, atribuindo o atentado a bomba falsamente a uma organização da militância contra o regime de exceção, e assim justificar um novo endurecimento da ditadura militar brasileira diante da ‘ameaça comunista'”.

Na data dos fatos, uma equipe carregava “três artefatos explosivos (bomba) e uma granada de mão”, que seriam colocadas “dentro do complexo, provavelmente no palco e nos pilares” do Riocentro.

Uma segunda equipe seria responsável pela detonação de “bomba que tinha como finalidade atingir o abastecimento de energia e cortar a luz do complexo, causando pânico nas pessoas que assistiam ao show”. Embora a bomba haja sido arremessada na casa de força do Riocentro, ela caiu no pátio da estação de eletricidade, mas não alcançou sua base, o que também frustrou a intenção dos agentes.

Duas outras equipes operacionais “tinham a incumbência de forjar evidências da autoria do atentado, fazendo parecer que a bomba tinha sido obra de movimentos que resistiam ao governo ditatorial” e de “efetuar prisões de indivíduos que seriam falsamente relacionados às bombas”.

A acusação foi recebida pela juíza de primeiro grau, que afastou eventual alegação de coisa julgada com base na incompetência absoluta da Justiça Militar e reconheceu a imprescritibilidade dos crimes imputados aos réus, por configurarem crimes contra a humanidade.

A defesa impetrou prévio habeas corpus perante a Corte Regional, que concedeu a ordem, por maioria, “reconhecendo a inexistência de crime contra a humanidade, e a incidência da prescrição da pretensão punitiva”.

O MPF argumenta que se trata de crimes de lesa-humanidade, cuja imprescritibilidade é prevista em normas do direito internacional.

Entre as alegações, afirma que, ao participar de ocultação de agenda de telefones retirada do automóvel usado no ataque a bomba, o denunciado Divany Carvalho Barros prolongou o tempo consumativo do crime.

A consumação do delito se prolongou até os dias atuais, uma vez que Newton Cruz jamais comunicou às autoridades competentes a identificação dos envolvidos no atentado a bomba. Dessa forma, tais crimes foram consumados já sob a égide da Constituição Federal de 1988, ou seja, configurada a imprescritibilidade.

O MPF requer o provimento do recurso para “determinar a retomada da instrução em primeiro grau de jurisdição”.

Pede o prosseguimento da persecução criminal no que toca aos crimes de fraude processual imputado a Divany Carvalho de Barros e de favorecimento pessoal imputado a Newton Cruz.

O recurso especial não foi admitido pela Corte regional, o que ensejou a interposição do agravo.

O voto condutor do acórdão recorrido, ao reconhecer a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, adjetivou de “pura esdruxularia (sic), com a devida venia, sem deixar de considerar a beleza do raciocínio da decisão impugnada, digna mesmo de figurar na mídia espetaculosa como histórica decisão, não só pelo ineditismo como pelo notável sentimento de justiçamento, perigosamente em voga atualmente”.

Quanto ao mérito, entendeu não haver, “no caso Riocentro, crime contra a humanidade, tampouco o de ‘lesa-humanidade'”, notadamente porque os fatos descritos “estão abissalmente distantes de atos de extermínio de seres humanos considerados inferiores”.

O voto-vogal, por sua vez, consignou que:

“De fato, o que se vê de todo o apurado, e até como era público e notório, o Estado àquela altura já promulgara a Lei da Anistia. No ano de 1981, como disse, vários perseguidos e exilados já haviam voltado. Alguns concorriam e se elegiam para diversos cargos políticos.

Não se pode mesmo dizer que este caso específico do Riocentro seja, portanto, ação criminosa violenta cometida em nome de política oficial, de acordo com o que era ditado pela cúpula do Estado brasileiro e por conta de mantê-la como tal, voltada contra a camada esquerda da população.

O ato, de certa forma, se voltava contra o próprio Estado, pois tinha o escopo de assombrar e desmoralizar a política de abertura de dois presidentes consecutivos – os generais Geisel e Figueiredo – ainda por cima ser jogado nas costas da própria esquerda”.

Ainda segundo o mesmo voto, “em tese, a lesão a bomba ou o pavor despertado pelas explosões não tinham nem mesmo o alvo certo dos partidários de uma ideologia ou regime de esquerda, pois o show no Riocentro, em que pese ser um show do dia do trabalho com fundos para o PCB, não era um evento partidário onde só teria gente da esquerda.

Era, na verdade, como bem narrou a denúncia, ação de um grupo organizado, criminoso, incrustado em alguns setores e órgãos agonizantes de um Estado que se modificava paulatinamente rumo à abertura e que, à margem dessa própria política do Estado brasileiro no momento, à margem da lei, da legitimidade e da ordem constitucional vigente, praticou crimes repugnantes e covardes”.

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(*) REsp 1798903