Houve constrangimento ilegal no caso Bendine, diz advogado
Sob o título “No processo penal, a defesa fala por último“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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Sob o ponto de vista processual, a delação premiada consiste na afirmação feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente, pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.
O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.
Trata-se de um meio de prova, mas, para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos: a) o corréu que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo.
Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possiblidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.
O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.
Recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.
Como colaborador da acusação, o delator deve ser tratado como alguém que traz subsídios, argumentos, para o Estado-acusador.
Como tal, não deverá falar após o prazo dado ao réu para se defender.
Isso porque a defesa deverá falar por último, sempre após a argumentação apresentada pela acusação.
Essa premissa apresentada se dá em conta do máxime a ser extraído do princípio da ampla defesa.
No processo penal, a ampla defesa é princípio que atua em favor do réu, e não da acusação.
A ampla defesa, como é do conhecimento de todos, tem fundamento na informação e na reação.
A estrutura dialética do processo se aperfeiçoa por meio da tese e da antítese, que se resolvem na síntese do juiz.
Deduzida a pretensão acusatória, com seus marcos e limites bem claros e definidos (tese), o réu é instado a se defender (antítese). A defesa há de atuar sempre na reação à acusação, rechaçando e refutando toda a argumentação acusatória.
Vide HC 87.926/SP, relator ministro Cezar Peluso e HC 295.055/RS, relator ministro Sebastião Reis Júnior. (*)
Em sendo assim é mister que seja dada à defesa a última palavra, antes do pronunciamento judicial sobre os fatos e do direito, na sentença, no recurso. Não se afigura correta dar essa última palavra ao colaborador, que, em verdade, está nos autos para dar sustentação à acusação.
Nessa linha de pensar destaco importante decisão oriunda da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em que foi reconhecido um cerceamento de defesa e anulada sentença em que o réu foi condenado.
Pelo princípio da causalidade estão anulados todos os atos posteriores ao momento em que foi cerceado o pronunciamento da defesa.
Foi assim no julgamento do HC 157.627.
O então juiz Moro abriu prazo conjunto para todos os réus se manifestarem nas alegações finais do processo. No entanto o correto seria primeiro se manifestarem os réus que firmaram acordo de delação premiada e, em seguida, os outros acusados.
A Turma, por maioria, conheceu do habeas corpus, vencido, no ponto, o ministro relator e, no mérito, deu provimento ao agravo regimental e, de pronto, concedeu a ordem, nos termos do voto divergente do ministro Ricardo Lewandowski, vencido o ministro Edson Fachin (relator).
Foi, pois, reconhecido um constrangimento ilegal à defesa.
Conforme noticiou o STF:
“Com o entendimento de que a apresentação das alegações finais de corréus não colaboradores deve se dar após a apresentação do documento por parte dos colaboradores, a maioria dos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada na sessão desta terça-feira (27) no julgamento de recurso (agravo regimental) no Habeas Corpus (HC) 157.627.
O juízo da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba (PR), ao concluir a instrução processual, abriu prazo comum para que os corréus apresentassem suas alegações finais. A defesa do executivo pediu que seu cliente pudesse apresentar sua manifestação após os colaboradores, com o argumento de que a abertura de prazo comum, e não sucessivo, para colaboradores e não colaboradores traria prejuízos a seu cliente. O pedido, no entanto, foi negado.
Na sessão de hoje, o defensor sustentou que, no processo penal, o réu tem o direito de se defender e de rebater todas as alegações com carga acusatória. Segundo ele, o acusado tem o direito de falar por último, venha de onde vier a acusação, sob pena de configuração do cerceamento de defesa.
Lembrou ainda que a condenação de Bendine já foi confirmada, com redução de pena, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no julgamento de apelação, sem o acolhimento da questão trazida no habeas corpus.”
Em nota, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba externou preocupação coma a decisão e afirmou que, se o entendimento for aplicado nos demais casos da operação, “poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos”.
A pretexto de combater a chamada corrupção, dentro de uma “verdadeira cruzada” para tanto instalada, não pode a jurisdição desconhecer princípios constitucionais, como o da ampla defesa, sob pena de afronta ao Estado democrático de direito.
Não importa se diversos processos que resultaram em condenação por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa sejam anulados. O que importa é que a Constituição e as garantias que dela surjam sejam respeitadas.
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(*) EMENTA: AÇÃO PENAL. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público. Sustentações orais. Inversão na ordem. Inadmissibilidade. Sustentação oral da defesa após a do representante do Ministério Público. Provimento ao recurso. Condenação do réu. Ofensa às regras do contraditório e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Nulidade reconhecida. HC concedido. Precedente. Inteligência dos arts. 5º, LIV e LV, da CF, 610, § único, do CPP, e 143, § 2º, do RI do TRF da 3ª Região. No processo criminal, a sustentação oral do representante do Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único, deve sempre preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento. (HC 87.926/SP, Relator Min. CEZAR PELUSO, j. 20/02/2008, Tribunal Pleno, DJe-074, p. 25/04/2008)
HABEAS CORPUS Nº 295.055 – RS (2014/0118727-1) RELATOR: MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EMENTA HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CABÍVEL. INADMISSIBILIDADE. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ABSOLVIÇÃO. APELO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. SUSTENTAÇÃO ORAL. MANIFESTAÇÃO DA DEFESA E DO PRÓPRIO ÓRGÃO ACUSADOR NO SENTIDO DA ILEGALIDADE NA INVERSÃO DA ORDEM DAS SUSTENTAÇÕES DETERMINADA PELO PRESIDENTE DA CÂMARA JULGADORA, TENDO, EFETIVAMENTE, O MINISTÉRIO PÚBLICO SUSTENTADO ANTES DA DEFESA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OCORRÊNCIA. PREJUÍZO. EXISTÊNCIA. PRÓPRIA CONDENAÇÃO DO RÉU. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, o que é o caso dos autos. 2. Existência de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa pelo fato de a defesa do paciente ter sido obrigada a fazer sua sustentação oral, no julgamento da apelação, antes de falar o Ministério Público, sendo que, in casu, o recurso é exclusivo da acusação, pois o réu foi absolvido em primeira instância. 3. O fato de ter sido dado provimento ao recurso do Ministério Público indica, desde logo e com clareza, gravame suficiente ao reconhecimento da nulidade. Em consonância com o entendimento do Supremo, quando se impõe ao réu que promova sustentação oral antes da intervenção do representante do Ministério Público, sobretudo no caso de ser este o recorrente, cria-se manifesta restrição à defesa, com afronta ao art. 5º, LV, da Constituição da República, o que conduz à nulidade do julgamento (HC n. 87.926/SP, Ministro Cezar Peluso, Plenário, DJe 24/4/2008). 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, a fim de anular o julgamento da Apelação-Crime n. 70050495712, para que outro seja realizado, devendo ser observado o direito de a defesa sustentar oralmente, se assim o desejar, após o Ministério Público (publicada em 10/11/2014).