Efeitos colaterais dos patrocínios da Unimed

Em sua coluna deste domingo (1º) na Folha, Elio Gaspari trata da fritura à qual o ministro da Justiça, Sergio Moro, tem sido submetido no Planalto, no Congresso e no Judiciário.

O jornalista atribui esse desgaste aos “vícios de soberba inerente à ideia do faço-porque-posso”. Estende esse comportamento ao procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato.

Moro e Dallagnol “confiaram numa inimputabilidade que lhes seria concedida pela opinião pública, até que vieram as revelações do Intercept Brasil”, afirma.

Segundo Gaspari, “os inimigos do procurador Dallagnol acusavam-no de manipular a fama com palestras bem remuneradas, mas ninguém seria capaz de supor que, de 20 palestras vendidas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, 5 fossem patrocinadas pelo plano de saúde Unimed, com um ticket médio de R$ 32 mil.”

A Unimed — cooperativa de médicos que opera plano de saúde– sempre foi muito ativa no patrocínio de eventos, principalmente com a participação de magistrados e envolvimento das escolas da magistratura.

Essas palestras rendiam dividendos internos e externos.

Em novembro de 2018, a Unimed Assis divulgou que ganhou premiação de Comunicação e Marketing pela palestra que Dallagnol proferiu, em 17 de fevereiro de 2017, quando a cooperativa completou 32 anos.

O presidente da unidade de Assis, Elysey Palma Boutros, viu na premiação uma “motivação para continuar contribuindo para o fortalecimento de valores éticos e construção de uma sociedade mais justa”.

Dallagnol falou sobre o tema “Ética e Lava Jato” para mais de mil pessoas, no Assis Tênis Clube. A Unimed informou que “os convites foram revertidos na compra de fraldas geriátricas, que foram doadas a instituições de assistência social da cidade”.

Segundo levantamento do Intercept Brasil –com base em mensagens, planilhas contratos e recibos–, a palestra de Dallagnol na Unimed Assis foi remunerada, tendo o procurador recebido R$ 28,8 mil.

Em setembro de 2012, reportagem do editor deste Blog tratou do lobby das operadores de planos de saúde, no Judiciário, e da preocupação do setor privado com o aumento das ações judiciais na área de saúde. [veja aqui]

A Unimed patrocinava encontros com magistrados para discutir o aumento das ações judiciais na área de saúde.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, presidiu um júri simulado sobre a judicialização da saúde, na Escola Paulista da Magistratura (EPM), em São Paulo. O evento foi aberto por dois dirigentes da Unimed.

Um ano antes, o ministro Dias Toffoli presidiu um júri simulado promovido pela Unimed em Campos do Jordão (SP).

Em 2010, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendou encontros e convênios para que os juízes recebam apoio técnico ao julgar demandas urgentes relativas à saúde pública e privada.

O órgão sugeriu a criação de comissões de médicos, nutricionistas e farmacêuticos nas comarcas, para assessorar juízes e promotores.

“Deixamos para o juiz essa imensa responsabilidade, e o juiz acaba não estando devidamente preparado”, disse Gilmar Mendes no evento realizado na EPM.

A Unimed produziu a “Cartilha de Apoio Médico e Científico ao Judiciário”. No livreto, Caio da Silva Monteiro, diretor da Unimed, diz que a intenção “é proteger o Sistema Unimed das liminares que determinam atendimentos sem a contrapartida financeira”.

Segundo Monteiro, “existe uma tendência natural do Judiciário na intenção de proteger o consumidor em detrimento da operadora”.

Alguns juízes que participaram de encontros promovidos pela Escola Paulista da Magistratura em fóruns no interior de São Paulo não sabiam que a Unimed era patrocinadora.

O assessor jurídico da Unimed Brasil, José Cláudio Ribeiro Oliveira, afirmou, na ocasião, que não há doutrinamento nos eventos para tratar as questões de saúde.

“Os juízes vão continuar a decidir com sua consciência, com sua livre convicção. A chance de erro é menor, conhecendo a matéria. O que nós queremos é que decidam corretamente, seja a favor da operadora, seja a favor do usuário”, disse.

“Muitas vezes o juiz não conhece a legislação. A Agência Nacional de Saúde emite centenas de resoluções. Não é uma matéria de domínio comum”, afirmou o assessor jurídico.

Ele confirmou que alguns eventos eram patrocinados pela Unimed. “Muitos desses eventos têm o envolvimento das próprias Escolas da Magistratura. O patrocínio varia entre as várias unidades da Unimed. Há unidades que oferecem seus auditórios e arcam com passagens para alguns palestrantes”, diz.

Em agosto, Flavio Ferreira, da Folha, Amanda Audi e Leandro Demori, de The Intercept Brasil, publicaram reportagem revelando que Dallagnol “montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações do caso de corrupção”. [veja aqui]

O procurador afirmou que destinou a maior parte dos valores arrecadados com palestras para atividade beneficente ou anticorrupção.

O coordenador da Lava Jato afirmou que “realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção e que esse trabalho ocorre de maneira compatível com a atuação no Ministério Público Federal”, registrou a Folha.

Segundo os autores, “um quarto das palestras verificadas pela reportagem foi para unidades do plano de saúde Unimed. Os eventos foram remunerados pelas Unimeds central e de Santa Catarina, Porto Alegre, Presidente Prudente (SP) e Assis (SP).”


Obs. Texto com correção às 00h03