Ações contra réus incertos na Amazônia

Sob o título “Combate ao desmatamento na Amazônia: a mudança de paradigma necessária”, o artigo a seguir é de autoria de Nívio de Freitas, subprocurador-geral da República, coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal.

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Em meio à crise gerada pelo desmatamento e pelas queimadas na Amazônia, uma questão se apresenta: de que forma a Justiça pode aprimorar sua atuação para defender a floresta e proteger esse valioso patrimônio nacional?

Que entendimentos, ações e iniciativas precisam ser adotados para frear esse fenômeno crescente?

A resposta para essas perguntas passa por uma urgente e necessária mudança de paradigma na atuação judicial em ações de combate ao desmatamento.

Atualmente, as imagens de satélite permitem identificar com precisão quando o desmatamento aconteceu e qual é a sua extensão, sem a necessidade de fiscalização de campo. Mas a tecnologia nem sempre ajuda a identificar os responsáveis pelo dano ambiental.

Os verdadeiros desmatadores ainda conseguem se esconder do poder público, seja por meio de laranjas, seja ajudados pelas dificuldades de fiscalização ou pelas questões fundiárias que cercam a Amazônia.

É comum, por exemplo, o avanço de desmatadores e grileiros sobre terras devolutas. Tempos depois, quando a fiscalização já foi embora, começam as tentativas de ocupação e regularização das áreas desmatadas.

Conhecendo essa dinâmica e na tentativa de contornar as dificuldades encontradas até aqui, o Ministério Público Federal desenvolveu uma nova metodologia de trabalho para combater o problema: o projeto Amazônia Protege, que traz o foco para a terra, e não para o infrator.

De posse de laudos e imagens de satélite que comprovam o avanço ilegal sobre a floresta, são instauradas ações civis públicas pedindo o pagamento de indenizações pelo dano e a recuperação da área degradada.

Quando não é possível identificar os responsáveis, as ações são instauradas contra réu incerto, como autoriza o Código de Processo Civil.

O objetivo é bloquear as áreas desmatadas irregularmente e evitar que elas venham a ser regularizadas no futuro. Se alguém reivindicar a terra sob litígio, poderá ser incluído no polo passivo da ação.

Já são 2,5 mil ações civis públicas instauradas no âmbito do projeto, buscando o embargo de milhares de hectares ilegalmente desmatados. Mais de 2,8 mil pessoas ou empresas respondem pelos danos à floresta.

Há também dezenas de ações contra réus incertos, voltadas para combater a grilagem e o desmatamento de terras públicas ou não destinadas, essas últimas as mais vulneráveis à ação de criminosos.

A Justiça Federal em primeira instância, no entanto, vem extinguindo as ações contra réu incerto, pela não identificação de autoria.

O enorme esforço de combate ao desmatamento só terá resultado efetivo se o Judiciário compreender a metodologia de trabalho proposta e atualizar seus entendimentos sobre a questão.

É hora de aplicar os mecanismos previstos no Código de Processo Civil a favor do meio ambiente.

Precisamos dar uma resposta à altura dos desafios que temos enfrentado. A Amazônia não pode mais esperar.