Prisão em contêiner é inconstitucional e desumana, diz advogado

Sob o título “Execução da pena em condições humilhantes“, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.

Trata de assunto publicado neste Blog: o recurso do Ministério Público de Santa Catarina, a ser julgado no Superior Tribunal de Justiça, contra determinação do tribunal estadual que cassou decisão de juiz interditando celas em contêineres metálicos na penitenciária de Florianópolis. [veja aqui]

O governo de Santa Catarina impetrou mandado de segurança contra interdição parcial da penitenciária.

O tribunal entendeu que –mesmo não estando em situação ideal– aquelas celas “atendem a um padrão mínimo de condições dignas de funcionamento”.

O artigo analisa o caso diante do que prevê a Lei de Execução Penal.

O julgamento –previsto para realizar-se nesta terça-feira (17)– foi adiado.

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Sabe-se que tem o Estado o direito de executar as penas e os limites desse direito são traçadas pelos termos da sentença condenatória, devendo o sentenciado submeter-se a ela.

A Constituição Federal estabelece, no artigo 5º, III, que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Além disso, não haverá penas: de morte, de caráter perpétuo, cruéis. Será assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. Há, pois, princípios constitucionais de natureza impositiva que devem ser obedecidos.

A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), em seu artigo 10, garante que a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

O artigo 11 da LEP garante ao apenado a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Isso significa dizer que o Estado deve cumprir sua função social em reabilitar o detento, enquanto a sociedade deve acreditar em uma ressocialização verdadeira, digna de respeito por parte de todos os núcleos da sociedade. No entanto, o que vemos é um regresso ao mundo primitivo.

O artigo 12 assegura que a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Já o artigo 14 afirma que a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá no atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

Os artigos 15 e 16 asseguram que a assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado.

O artigo 17 aduz que a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. O art. 18 da mesma Lei garante que o ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

Já o artigo 22 trata sobre a assistência social, que tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à sociedade.

Está previsto nas Regras Mínimas para Tratamento de Presos, da ONU, o princípio de que o sistema penitenciário não deve acentuar os sofrimentos já inerentes à pena privativa de liberdade (item 57, segunda parte).

Este parece ser o ponto mais levantado atualmente por certos juristas quando afirmam que, na sanção imposta pelo Código Penal –-privação da liberdade-– não estão incluídos os sofrimentos acrescidos pela situação reinante nas prisões, os quais terminam por agravar a pena a que foi condenado o infrator.

Entende-se que a Lei de Execução Penal, impedindo o excesso ou o desvio da execução que possa comprometer a dignidade e a humanidade da execução, torna expressa a extensão de direitos constitucionais aos presos e internos.

Por outro lado, a lei deve possibilitar, em sua efetividade, que os apenados possam, em decorrência de sua situação particular, desenvolver-se no sentido da reinserção social com o afastamento de inúmeros problemas surgidos com o encarceramento.

Dito isso, com o devido respeito, considero que a medida proposta afronta aos direitos humanos. Ela é inconstitucional, por impor pena em condições desumanas.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a um acusado que estava preso dentro de um contêiner no Centro de Detenção Provisória de Cariacica, no Espírito Santo, e substituiu a prisão preventiva pela prisão domiciliar.

Em seu voto, o ministro Nilson Naves lembrou que o ordenamento jurídico nacional não admite penas cruéis.

Para ele, a prisão preventiva do acusado “trata-se de prisão desumana, que abertamente se opõe a textos constitucionais, igualmente a textos infraconstitucionais, sem falar dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos”.

E citou mais um texto da Constituição: “É assegurado aos presos integridade física e moral”. O ministro propôs a revogação da prisão preventiva ou a substituição da prisão efetuada em contêiner por prisão domiciliar.

Os ministros da Sexta Turma concordaram que a prisão em contêiner fere a dignidade do ser humano. Por isso, apesar de entenderem que o ideal seria que o acusado aguardasse a decisão da Justiça em local prisional adequado, também se posicionaram no sentido de não permitir a permanência do mesmo dentro do contêiner e concederam o habeas corpus, determinaram a prisão domiciliar e estenderam essa permissão a todos que estiverem presos cautelarmente nas mesmas condições.

A decisão é de 2010.