Juiz critica lei de abuso de autoridade e relaxa prisão cautelar na Bahia

Circula na internet cópia de decisão atribuída ao juiz André Vieira, da comarca de Capim Grosso, na Bahia, relaxando prisão cautelar de uma mulher presa em flagrante por suposta violação à Lei de Drogas. (*)

Em despacho nesta quinta-feira (26), o magistrado afirma que aguardará manifestação do Supremo Tribunal Federal, “para se sentir seguro para decretar medidas cautelares, face à ABSURDA decisão do Congresso Nacional que torna crime de abuso de autoridade decisão judicial, ainda que devidamente motivada”.

Segundo o juiz, “o que o Congresso Nacional fez, ao possibilitar a criminalização da atividade judicante livre, motivada, coerente ao posicionamento e convicções do julgador, amparada, repita-se, nas provas dos autos, foi consagrar a IMPUNIDADE, acuando magistrados em sua função”.

O Blog não conseguiu ouvir o magistrado na comarca. Consultou o Tribunal de Justiça da Bahia sobre a decisão e  eventuais desdobramentos. O caso não chegou à Corregedoria Nacional de Justiça.

Eis a íntegra da decisão:

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“Trata-se de prisão em flagrante, por suposta violação ao art, 33 da Lei de Drogas.

O Ministério Público oferta parecer pugnando pela homologação do flagrante e decretação da prisão preventiva, fls. 24/27.

Dito isso, passo à análise da possibilidade de soltura, ou decretação da prisão preventiva.

A prisão é medida excepcional, devendo ser justificada da forma clara.

Com o advento da lei 13.869/2019, tornou-se crime manter alguém preso quando “manifestamente” cabível sua soltura ou medida cautelar distinta da prisão.

Ocorre que a expressão “manifestamente” é tipo aberto, considerando a plêiade de decisões nos mais diferentes tribunais brasileiros e até mesmo as mudanças de entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Diante disso, enquanto não sedimentado pelo STF qual o Rol taxativo de hipóteses em que a prisão é “manifestamente” devida, a regra será a soltura, ainda que a vítima e a sociedade estejam em risco.

Se o Congresso Nacional, pelos representantes eleitos, teve por desejo impor essa lei aos brasileiros, o fez com o amparo democrático, cabendo ao juiz, a quem não compete ter desejos, limitar-se a aplicá-la e aguardar a definição de seus contornos pelos Tribunais Superiores.

Repita-se, este magistrado aguardará manifestação do E. Supremo Tribunal Federal, em eventual análise de Ação Direta de Inconstitucionalidade, para se sentir seguro para decretar medidas cautelares, face à ABSURDA decisão do Congresso Nacional que torna crime de abuso de autoridade decisão judicial, ainda que devidamente motivada.

Ora, a relação do princípio do livre convencimento motivado aduz que as decisões dos julgadores devem possuir uma fundamentação clara e objetiva para julgar o processo, conforme sua consciência e arrimada na prova dos autos, ex vi do quanto disciplinado pelo artigo 93, IX da Carta Magna. Mostra-se garantia ao magistrado, ao cidadão, bem como à sociedade.

O que o Congresso Nacional fez, ao possibilitar a criminalização da atividade judicante livre, motivada, coerente ao posicionamento e convicções do julgador, amparada, repita-se, nas provas dos autos, foi consagrar a IMPUNIDADE, acuando magistrados em sua função.

Ante o exposto, diante da imposição da soltura de MARIA CLEUZA DOS SANTOS, por força da lei aprovada pelo Congresso Nacional, com ampla complacência da OAB, a fim de não correr o sério risco de incidir no tipo penal aberto de ‘ABUSO DE AUTORIDADE’, relaxo a prisão cautelar decorrente do flagrante e determino a expedição do competente alvará de soltura da custodiada, se por outro motivo não estiver presa.

Intimações e Expedições necessárias. Cumpra-se.”

(*) 0000737-74 2019