Advogado vê ‘inconstitucionalidade patética’ no caso Janot-Gilmar Mendes

O advogado e procurador regional da República aposentado Gustavo Tadeu Romano avalia “como coisa de ditadura” a reação do Supremo Tribunal Federal à intenção admitida pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot de matar o ministro Gilmar Mendes e se suicidar em seguida.

“Não houve para o caso Janot-Gilmar, uma tentativa de homicídio”, afirma.

Em longo artigo sobre o episódio, Romano afirma que “o Ministério Público tem o poder de ação, e o juiz, o poder jurisdicional. Não cabe assim ao Supremo Tribunal Federal, em situação que se pensa isolada, desvirtuar, alongando, contra a Constituição, seu mister constitucional. Ademais, sob pena de agredir a Constituição, permitir que haja investigação criminal sem a participação do Parquet”.

“Isso é de uma inconstitucionalidade patética”, diz.

Segundo ele, é “um exemplo que a história, certamente, julgará como um triste período de ‘caça do Supremo a seus inimigos'”.

 

Eis a íntegra do artigo.

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I – DOS FATOS

Segundo o site do G1, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot afirmou em entrevista a jornais que, em um determinado momento em que estava à frente da Procuradoria Geral da República, entrou armado no Supremo Tribunal Federal (STF) com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes e se suicidar em seguida.

A revelação está em um livro de memórias de Janot. No livro, ele faz um relato do episódio, mas não menciona o nome do ministro. Nesta quinta-feira (26), em entrevista aos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo e à revista Veja, o ex-PGR revelou que se tratava de Gilmar Mendes.

Segundo Janot, o episódio ocorreu em 2017, depois que ele apresentou um pedido de suspeição de Gilmar Mendes em um processo que tramitava no Supremo. Na ocasião, o então procurador-geral pediu a suspeição do ministro em casos relacionados ao empresário Eike Batista, porque a esposa dele – Guiomar Mendes – era sócia do escritório que defendia o empresário.

De acordo com o ex-PGR, Gilmar Mendes reagiu ao pedido de suspeição com um ofício enviado à presidência do STF no qual afirmava que a filha de Janot advogara para a empresa OAS em um processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

“Ele inventou uma história que a minha filha advogava na parte penal para uma empresa da Lava Jato. Minha filha nunca advogou na área penal. E aí eu saí do sério”, disse Janot a O Estado de S.Paulo.

Ele afirmou que após o episódio foi tomado por uma “ira cega” e decidiu matar o ministro. A intenção, segundo o relato, era atirar em Gilmar Mendes, antes do início de uma sessão do Supremo.

“Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha”, diz Janot no livro, de acordo com a Folha de S.Paulo.

Nas entrevistas, Rodrigo Janot afirmou que o plano era se suicidar logo depois de atirar no ministro.

O ex-procurador-geral da República afirmou que só não concretizou o plano porque, no momento, a “mão invisível do bom senso” não permitiu.

 

II – NÃO HOUVE A HIPÓTESE DE TENTATIVA

Alguns veículos de comunicação aduziram que houve hipótese de tentativa.

Observo do que foi dito da coluna de Merval Pereira, no jornal O Globo, no dia 28 de setembro do corrente ano:

“O caso do ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, que confessou ter tentado assassinar o ministro Gilmar Mendes, do STF, é inacreditável. Um sincericídio que terá graves repercussões para sua própria vida futura, é também retroativamente grave, pois coloca em dúvida sua saúde mental e pode desmoralizar os atos de sua gestão à frente da PGR.

Confessou um crime, tentativa de assassinato, e já começa a ser investigado. Para piorar a situação, há a desconfiança de que falou sobre isso, anos depois, para fazer propaganda sensacionalista do livro que está lançando, intitulado “Nada menos que tudo”.

No crime a ideia precede à ação. É no pensamento da pessoa que se inicia o movimento delituoso e a sua primeira fase é a ideação e resolução criminosa.

É certo que são atos chamados de internos, durante os quais, no espírito do agente, surge a ideia do fato punível.

Vai tal pensamento tomando forma, debatem-se, internamente, motivos favoráveis e contrários a essa ação até se chegar ao propósito final.

Nessa fase interior a lei não alcança o fato criminoso. Fica tudo na chamada criminalidade imaginativa. A cogitação não é punível.

Da fase subjetiva parte o agente para o movimento criminoso, para os atos externos. Ele passa do pensamento à ação objetiva. Entra-se nos momentos externos do crime, na fase de preparação, a que se devem seguir a execução e a consumação.

Os atos preparatórios, em regra, escapam à aplicação da lei penal, salvo em situações, onde, por si mesmos, se constituem figuras delituosas, como é o caso do tipo inscrito no artigo 291 do Código Penal, que diz respeito a “fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar petrechos para falsificação da moeda”.

Afirma-se que, em geral, não se tem a punibilidade de tais atos. Não se há, pois, de se falar em tipicidade com relação aos chamados atos preparatórios.

Dos atos preparatórios passa o agente para a fase de execução.

Em suma: o ato preparatório, a não ser quando cogitado pelo legislador como crime, não é punível.

Não houve para o caso Janot-Gilmar, uma tentativa de homicídio. A tentativa há quando os atos executórios já tenham começado e razões exteriores a vontade do agente de cometer o delito. Não houve, pois tudo ficou no limite da cogitação.

Pensar em matar não é crime, pode ser, quando muito, algo moralmente condenável, pois a moral não extrapola a vontade individual ao contrário da sanção jurídica. Ainda não houve nem desistência voluntária nem arrependimento eficaz. Em suma: não houve crime e sequer tentativa que se dá conforme o artigo 14 do CP.

Não seria ainda hipótese de desistência voluntária ou arrependimento eficaz. Assim o ato censurável, no limite da consciência moral, de pensar em matar, envolvendo a cogitação não leva a punição. Não há sequer preparação e muito menos execução.

Planejar um homicídio nos termos descritos por Janot, mas sem tentá-lo ou cometê-lo, não é crime.

O Código Penal e a jurisprudência dos tribunais não criminalizam a fase preparatória de um ilícito. Se Janot tivesse tentado atingir ou efetivamente ferido o ministro, aí sim poderia ser acusado.

 

III – DA TENTATIVA, DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E DO ARREPENDIMENTO EFICAZ

Com a execução tem-se o ataque ao bem jurídico e a realização do tipo penal.

Com o ataque ao bem jurídico, ele é posto, realmente, em perigo. Estamos no campo da tipicidade material com a lesão ou a ameaça a um bem juridicamente tutelado pela lei penal.

Uma vez penetrando na fase executiva, pode o movimento criminoso: Interromper-se no curso da execução; Parar na execução completa; Chegar à consumação.

Diz-se, então, que, na tentativa, o movimento criminoso para em uma das fases de execução, impedido o agente de prosseguir no seu desígnio por circunstância estranha ao seu querer, como bem ensinou Aníbal Bruno (Direito Penal, tomo II, 1967, pág. 236).

De pronto, dir-se-á que a tentativa é figura truncada de um crime. Deve possuir tudo o que caracteriza o crime menos a consumação. Em sua compreensão, tem-se:

Uma ação que penetrou na fase de execução do crime, isto é, que se dirige no sentido da realização do tipo; Interrupção dessa fase executiva do crime por circunstância estranha à vontade do agente; Dolo em relação ao crime total.

Sabe-se, pois, que a tentativa situa-se no iter criminis a partir da prática de um ato de execução, desde que não haja consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Ora, a tentativa é a realização incompleta do fato típico não sendo um delito autônomo.

São elementos da tentativa: a conduta (ato de execução) e a não-consumação por circunstâncias independentes da vontade do agente.

Assim iniciada a prática dos atos executórios, a execução do fato típico pode ser interrompida, seja pelo desejo do agente ou ainda por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo.

Na primeira hipótese, não há uma tentativa, havendo que se falar em desistência voluntária ou arrependimento eficaz (aliás, a impunidade da desistência e do arrependimento não pode ter outra significação que não a renúncia efetuada pelo direito em razão dos mesmos fazerem desaparecer o perigo que é criado pela tentativa).

Na segunda, por interrupção externa, haverá tentativa, que pode ser perfeita (ou crime falho), quando a consumação não ocorre, apesar de ter o agente praticado os atos necessários à produção do evento ou imperfeita, quando o sujeito ativo não consegue praticar todos os atos necessários à consumação por interferência externa.

Lembre-se que o elemento subjetivo da tentativa é o dolo do delito consumado, sustentando a doutrina a possibilidade de se falar em tentativa com dolo eventual.

Para verificar o que se chama de começo de execução, abandona-se, de pronto, a chamada teoria subjetiva porque possui o inconveniente de elevar o critério individual do autor a determinante do limite do proibido, quando deve-se utilizar no critério de decisão a avaliação de um terceiro observador.

Passa-se a um critério objetivo.

Adotam-se os ensinamentos de  Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli (Da tentativa, 1981, pág. 54).

Dizem eles: “1) tentaram, primeiramente, identificar o “começo de execução”, com o início da ação típica (teoria objetiva-formal), o que, por reduzir demasiadamente o âmbito dos atos executórios, levou a que 2) outros tentassem incluir dentro deles, também os atos imediatamente anteriores ao início da ação típica (teoria objetivo-material), apelando, para tanto, ao critério de um terceiro observador, o qual se valeria da concepção natural “uso da linguagem” (variante de Frank), o que os tornava demasiadamente amplos, dando lugar a  que, 3) logo depois, se pensasse em combiná-los para atender ao plano concreto do autor (teoria objetivo-individual), que nos parece se aproximar da realidade, embora tenhamos, ainda, um longo caminho a percorrer”.

Para Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 21ª edição, pág. 157), o Código Penal adotou a teoria objetiva (formal) e exige que o autor tenha realizado de maneira efetiva uma parte da própria conduta típica, penetrando, desta forma, no “núcleo do tipo”, do que se tem da leitura do artigo 14 do Código Penal, quando se diz que o crime se diz tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”.

Disse ainda ele: “O entendimento, porém, é de que a teoria objetiva necessita de complementação. A complementação mais usual da formulação objetiva, através de um critério material, é o princípio assentado por Frank, que inclui na tentativa as ações que, por sua vinculação necessária com a ação típica, aparecem como parte integrante dela, segundo uma concepção natural”.

É de Welzel a posição de propor um critério objetivo-individual, ao introduzir, como se viu, um elemento individual (subjetivo), que é o plano do autor, mas que, por sua natureza, é suscetível de ser valorizada por um terceiro elemento, que é a determinação da proximidade imediata à ação típica. Já se entendeu, nessa linha de pensar, que a tentativa só pode ser reconhecida quando a conduta é de tal natureza que não deixa dúvida quando à intenção do agente (RJTJERGS 152/173).

Mas a tentativa é um delito imperfeito, consistindo na falta de uma parte da tipicidade objetiva, sem alterar a estrutura global do delito. Mas, afaste-se a tentativa da desistência voluntária (artigo 15) e do arrependimento eficaz.

Na desistência voluntária, refere-se a lei aos casos de tentativa abandonada, que, por razões de política criminal, se estimula o agente ao não consumar o delito. Seja num caso como no outro há uma exclusão da tipicidade, não havendo tentativa típica. Na desistência voluntária, o agente, embora tenha iniciado a execução, não a leva adiante, desistindo da realização típica, devendo a desistência ser voluntária, não se exigindo que seja espontânea (posição de Nelson Hungria, Costa e Silva, Aníbal Bruno), de forma que o agente não tenha sido coagido, moral ou materialmente, à interrupção do iter criminis.

Mas inocorre a desistência voluntária, se o agente, depois de já ter iniciado a execução do delito, percebe os riscos que assumirá caso prossiga em seu intento e, pressentindo a impossibilidade do êxito da empreitada criminosa, conclui que não há outra alternativa senão fugir (RT 695/389). Por sua vez, no arrependimento eficaz, há hipótese de inadequação típica da tentativa, pois após ter esgotado os meios de que dispunha para a prática do crime, o agente arrepende-se e evita que o resultado ocorra. Como tal o arrependimento deve ser voluntário (sem coação), embora não necessariamente espontâneo.

A ação do agente, no arrependimento eficaz, deve ser coroada de êxito. Como na desistência voluntária, o agente responderá pelos atos já praticados, pelos resultados já ocorridos.

O Código penal não faz qualquer distinção entre tentativa inacabada e tentativa acabada, no artigo 14, I. Tal distinção seria teoricamente exigida, pois que diferencia o que seja desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Como ensinam Zaffaroni e Pierangelli (Obra citada, pág. 101), em verdade, pois, se diz que “o crime será tentado quando, iniciada a sua execução, não se reúnem todos os elementos de sua definição legal, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o que pode ocorrer quando o agente for interrompido na sua ação (tentativa inacabada) ou quando, embora esgotada a ação típica, não se produzir o resultado (tentativa acabada). Mas, se é o próprio agente que, depois de iniciada a execução, não deseja consumar o delito, perde a vontade de fazer reunir todos os elementos da definição legal do crime (de materializar , no caso concreto, o tipo objetivo) é porque desiste da vontade criminosa. A desistência da vontade criminosa necessita tão-somente da interrupção da conduta (deixar de dirigir a causalidade ao alvo do resultado), no caso da tentativa inacabada. Porém, na hipótese de estar esgotada, a desistência da vontade criminal,  não pode se limitar a “desejar” que o resultado não se produza, porque o desejo não é igual à vontade: o desejo não dirige a causalidade. O simples desejo não pode fundamentar a punibilidade, mas também não pode gerar a impunidade.”

Costuma-se dizer que para os efeitos da desistência é sempre necessário saber se a tentativa é acabada ou inacabada.

Para Welzel, tal pergunta deve ser respondida com dados que provém do subjetivismo do agente, tendo-se em conta o seu plano delitivo. Mas, na tentativa inacabada, o entendimento é de que o abandono do plano deve ser definitivo embora não se possa entender, por isso, que se trata de um verdadeiro arrependimento do agente, com o consequente abandono definitivo de levar adiante outra execução do fato.

Na tentativa acabada a desistência deve manifestar-se sempre como uma atividade tendente a evitar a produção do resultado, como uma atividade neutralizadora da atividade anterior. Quando o resultado sobrevém por efeito de um desvio no curso causal essencial, não pode ser imputado ao autor a título  doloso se tiver manifestado uma atividade seriamente encaminhada a evitá-lo.

Fala-se em tentativa qualificada a que se dá quando o delito que se pretende cometer abrange, de forma simultânea, a consumação de outro delito. A doutrina situa que verificando-se ausência da culpabilidade superveniente no curso da mesma ou desistindo o agente posteriormente à consumação dos delitos-meios, ficará impune tão-somente à tentativa como tal, mas não os delitos que se tiverem consumado no seu curso.

Assim fica obedecido o princípio geral de que a desistência deixa impune é só a tentativa como tal, do que se vê do artigo 15, última parte, quando se diz: “quando responde pelos atos já praticados”. Isso ocorreria não só nos casos em que a tentativa e o delito consumado formam um concurso ideal, mas ainda no chamado concurso aparente de normas.

 

IV – OS ABUSOS COMETIDOS PELO STF

Ainda é do O Globo, em sua edição de 28 de setembro do corrente ano, a notícia de que por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a Polícia Federal fez buscas e apreensões no escritório e na casa de Rodrigo Janot em Brasília, após o ex-procurador-geral da República revelar em entrevistas que planejou matar o ministro Gilmar Mendes.

Para preservar a integridade dos membros da Corte, Moraes impôs medidas restritivas a Janot, que não pode se aproximar de qualquer ministro do Supremo e teve o porte de arma suspenso.

A medida executada extrapola o bem senso e é mais um episódio de um procedimento condenável que se instalou no STF, visando, ao que se faz-se supor, proteger os ministros da Corte Superior.

É mais uma decisão que faz o STF, em plena Constituição-cidadã de 1988, um verdadeiro tribunal de exceção, o que “salta aos olhos”.

Com o devido respeito, dir-se-á que não cabe ao Poder Judiciário investigar. Esse papel é do Ministério Público com atuação da polícia, nos limites de sua atribuição.

Aliás, se pode falar em investigação, ela há de ser pública. Se não bastasse, as pessoas seriam ou estariam sendo investigadas, ao que se tem notícia, não têm prerrogativa de foro no Pretório Excelso.

Além de investigador e julgador, o Ministro Relator do Inquérito 4781 é vítima dos fatos investigados – que seriam ofensivos à “honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. Não há como imaginar situação mais comprometedora da imparcialidade e neutralidade dos julgadores – princípios constitucionais que inspiram o sistema acusatório”, afirmou a procuradora-geral da República.

Repita-se que o exercício da ação penal e ainda das investigações, é do Parquet. Se este concluir pela não propositura da ação penal, nada mais fará senão manifestar a vontade do Estado, de que é órgão, no sentido de não haver pretensão punitiva a ser deduzida.

O Ministério Público tem o poder de ação, e o juiz, o poder jurisdicional. Não cabe assim ao STF, em situação que se pensa isolada, desvirtuar, alongando, contra a Constituição, seu mister constitucional.

Ademais, sob pena de agredir a Constituição, permitir que haja investigação criminal sem a participação do Parquet. Isso é de uma inconstitucionalidade patética.

Deixa-se, erradamente, com o devido respeito, de se aplicar o artigo 40 do CPP, ainda em vigência:

“Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.”

Os autos mencionados no artigo 40 concernem a processo ou procedimento, de que tratam, bem como papeis que corram por qualquer motivo, em juízo civil de jurisdição contenciosa ou voluntária em juízo penal, como ensinou Sérgio Marcos de Moraes Pitombo(Do artigo 40 do Código de Processo Penal, in Análise Jurisprudencial, São Paulo, 1977, n. 3, pág. 70, n 10).

O cumprimento do disposto nesta disposição, decidiu o STF, não acarreta o impedimento do julgador que dá a notitia criminis e sugere a abertura do processo(RTJ 48/321).

Aliás, o fato de o juiz ou Tribunal haver determinado a remessa de cópias de peças ao Ministério Público não desconstitui a ilegalidade. O órgão da acusação poderá entender inexistir infração penal(STF, RTJ 84/830; no mesmo sentido; RTJ 46/717). Não há que se falar em reformatio in pejus, em tal procedimento(STF, HC 57.354, DJU  30.11.79, pág. 8983).

Lembro, por fim, que o exercício da jurisdição pressupõe provocação da parte que o faz justamente quando exercita o direito de ação. Jurisdição sem ação é corpo sem alma, sendo impensável uma investigação iniciada por portaria da autoridade judicial e muito menos ação.

Como deverá agir o magistrado diante de uma notícia crime que lhe é apresentada? Poderá remetê-la ao titular da ação penal pública incondicionada para as providências cabíveis, ou requisitar a instauração de inquérito policial para presidi-lo, nunca fazendo as vezes do Parquet ou da Polícia, para instauração de inquérito, que é um procedimento de índole eminentemente administrativa, de caráter informativo e preparatório da ação penal, regendo-se pelas regras da Administração em geral.

Aos prejudicados por atos de coação no procedimento que foi aqui noticiado ou a qualquer do povo, cabe o ajuizamento do habeas corpus perante o próprio STF, tendo como autoridade coatora  a que o preside.

Tudo isso é coisa de ditadura, num exemplo que a história, certamente, julgará como um triste período de “caça do Supremo a seus inimigos”. Tal situação é vergonhosa. Cria-se, em plena ordem constitucional estabelecida pela Constituição de 1988, uma “verdadeira mordaça”.

A conduta é forma de minimizar, de forma condenável, a Constituição-cidadã de 1988 que foi uma resposta da sociedade aos tristes tempos de ditadura por que viveu o país, em que o Judiciário foi mitigado.

De antemão é correta a interposição de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF) uma vez que há ferimento a princípios basilares honrados pela Constituição-cidadã de 1988.

Diante disso foi correta a intervenção do Parquet, por seu órgão que o presenta perante o STF, no sentido de se manifestar favoravelmente à ação movida pela Associação Nacional dos Procuradores da República contra o inquérito das fake news, que mira supostas ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal.  Em ação, a entidade havia pedido para que fosse suspensa a portaria de instauração da investigação, editada pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.

Superemos a fase do procedimento inquisitório.

Isso foi coisa do Estado Novo, de onde surgiu a redação original do Código de Processo Penal, aceita em mais de 20 anos de ditadura militar. Os tempos são outros de modo que é grave ofensa à democracia desconhecer a Constituição de 1988.

Acabou o tempo do juiz inquisidor.

É sabido que o Brasil adotou de acordo com o modelo plasmado na Constituição de 1988 o chamado sistema acusatório.

Tal modelo tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar conferidas a personagens distintos, concedendo-se ao Ministério Público, do que se lê do artigo 129, I, da Constituição o mister constitucional de ajuizar a ação penal pública.

Ademais, os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade regem todo o processo e o sistema de apreciação das provas é do livre convencimento motivado.

Foge o sistema acusatório, adotado pela Constituição-Cidadã de 1988, do sistema inquisitório, caracterizado pela inexistência de contraditório e de ampla defesa, com a concentração das funções de acusar, defender e julgar na figura única do juiz, e pelo procedimento escrito e sigiloso com o início da persecução, produção da prova e prolação da decisão pelo juiz.

O modelo inquisitório vigorou durante os períodos do século XVII e XVIII, nas legislações europeias. Aliás, aqui, a repressão criminal era um primordial interesse público, sendo de interesse estatal.

No processo penal, a evolução histórica deu-se nesse sentido: o que se tinha outrora era o juiz-inquisidor. Paulatinamente, se foi liberando o juiz da função de acusar e, consequentemente, da colheita preliminar da prova, para chegar à condição de terceiro imparcial.

O Código de Processo Penal de 1941, nascido sob a égide de um Estado autoritário, e que teve como fonte o Código Rocco, centralizou no juiz a possibilidade de produção da prova, sem a necessidade de provocação das partes, iniciando a ação penal e adotando providências de ofício, sem iniciativa dos demais sujeitos processuais, inclusive na fase de investigação.

Tudo isso deve passar em nome da democracia e dos preceitos fundamentais que estão em seu fulcro.

O Supremo Tribunal Federal, de modo algum, poderá se tornar um tribunal de exceção.

Tristes tempos.