Advogado cita a Lei de Abuso de Autoridade para ameaçar juiz
O juiz federal Shamyl Cipriano, da 5ª Vara Federal e Ambiental de Rondônia, advertiu um advogado que o ameaçou, com a Lei de Abuso de Autoridade, citada “em letras garrafais, negritadas e sublinhadas”, num pedido de revogação de prisão preventiva.
“O advogado que profere ameaça contra um juiz para o caso de indeferir seu pedido está promovendo um ataque contra o Estado Democrático de Direito, na medida em que criminaliza a diferença de pensamentos e quer um Poder Judiciário atuando por receio de consequências pessoais”, registrou o magistrado.
Cipriano determinou à Ordem dos Advogados do Brasil apurar a conduta do advogado.
“Causa surpresa que, ao tempo em que o advogado enuncia a presunção de inocência em favor de seu cliente, indique em sua petição que este magistrado pode ser criminalmente responsabilizado por uma lei que sequer entrou em vigor”, e “passa em branco na sua manifestação que os crimes criados por essa lei dependem de elementos subjetivos específicos”.
O juiz disse que vê “com cautela e preocupação” que o advogado “aparentemente desconheça conceitos tão elementares ao Direito Penal como vigência, vacatio legis, irretroatividade da lei penal maléfica e dolo específico ou elemento subjetivo específico do tipo”.
O juiz afirmou que “a advocacia é constitucionalmente essencial à justiça na medida em que eleva o debate processual ao nível técnico e dogmático necessário para que as decisões do Poder Judiciário possam encontrar sua legitimidade. Não faz parte desse quadro a utilização de ameaças atécnicas proferidas contra magistrados como argumento de autoridade, da mesma maneira que o advogado também não quer ter a sua profissão criminalizada”.
Advertiu o advogado “de que suas manifestações devem gozar de caráter técnico adequado, sob pena de o réu ser considerado indefeso e o processo ter nulidade reconhecida”.
Na decisão, o juiz comentou a realidade vivida pela magistratura e a responsabilidade que cabe a cada um pelo respeito às instituições.
“A vida adulta exige de todos nós (os advogados inclusos) maturidade e equilíbrio suficientes para respeitar a discordância – sem falar que o sistema brasileiro de justiça possui uma miríade de instrumentos processuais para que a divergência seja debatida em órgãos colegiados superiores”.
“Esse estado de coisas é a realidade de vida dos membros do Poder Judiciário, que diuturnamente veem suas decisões sendo combatidas em instâncias superiores e não raro recebem a discordância dos tribunais na forma de reformas e anulações – sem que isso impeça o imediato cumprimento com a manutenção de respeito pelas instituições do país.”
O réu teve prisão decretada por garantia da ordem pública. O pedido de revogação da prisão preventiva já havia sido apreciado pelo juiz em agosto.
“A defesa não apresenta nenhum argumento direcionado à decisão que decretou a prisão preventiva, limitando-se a alegar primariedade, idoneidade e arrimo de família”.
O juiz lembrou a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que “a mera primariedade e residência fixa não são motivos para o afastamento da prisão cautelar”.
“Ademais, o réu se encontra foragido até o momento, o que indica que tem a intenção de se furtar à aplicação da lei penal”, decidiu.