Juiz analisa o populismo penal e os desgastes no combate ao tráfico
O juiz de direito Marcelo Semer, do Tribunal de Justiça de São Paulo, lança na próxima segunda-feira (7), em São Paulo, o livro “Sentenciando Tráfico – O Papel dos Juízes no Grande Encarceramento“. (*)
É uma versão adaptada de sua tese de doutoramento na Faculdade de Direito de São Paulo, a partir de pesquisa de campo realizada com 800 sentenças de tráfico de drogas, envolvendo decisões de oito Estados, 315 municípios e 665 juízes.
O autor é escritor, mestre em Direito Penal pela USP, doutor em Criminologia pela USP e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia.
Semer entende que “a política criminal brasileira para as drogas conseguiu a proeza de reunir todos os defeitos: não ajudou a reduzir o consumo e manteve a distribuição em pleno crescimento; não cuidou efetivamente da saúde pública e produziu um desgaste sem precedentes nas forças policiais, além de ter impulsionado de forma contundente o encarceramento”.
“Enquanto o homicídio mal representa 10% dos presos, quase um terço deles estão atrás das grades em razão do tráfico”, afirma.
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Eis algumas conclusões do estudo:
– Os réus são em regra pobres, as apreensões de dinheiro e de droga são modestas, há pouca coautoria e baixíssimo índice de apreensão de armas de fogo.
– Em expressiva maioria, os réus são primários e são presos sem maiores investigações. Os resultados dos processos, no entanto, apontam para um grau elevado de condenações, por volta de 80%, ampla aplicação da prisão cautelar, e penas três vezes superior ao mínimo fixado em lei.
– Dois conceitos consolidados na criminologia por Stanley Cohen servem de chave de leitura para a compreensão dos resultados: pânico moral (o alarde desproporcional que acaba por vitaminar as penas) e os estados de negação (com que os juízes ignoram o quadro de conhecida violência policial, para depositar nos próprios agentes de segurança a inteireza da prova).
– Os exageros do pânico moral (overreacting) se articulam com os silêncios do estado de negação (underreacting) em um desenho que se amolda ao próprio modelo do grande encarceramento brasileiro: uma mescla de populismo penal e legado autoritário.
– A pesquisa sepulta definitivamente a ideia de leniência por parte dos juízes. Para o bem ou para o mal, é importante destacar que o quociente de encarceramento se dá em razão deles mesmos, inclusive e principalmente quando há alternativas menos draconianas na lei.
– Cerca de 89% dos processos se iniciam com a prisão em flagrante – em 70% deles, pelos policiais militares. Pouco mais de 10% dos casos se iniciaram com investigações prévias, que levaram, por exemplo, a buscas e apreensões domiciliares ou interceptações telefônicas. O forte mesmo são as ações de patrulhamento, nos quais a seletividade das abordagens é historicamente conhecida.
– Concentrar a prisão nas ruas significa deixar de lado a droga de grandes transações ou mesmo as festas privadas. O pobre é, efetivamente, o grande alvo da abordagem policial – e, embora, a pesquisa em si não tenha tido recorte racial, em face da ausência de informações nas sentenças, sabe-se, por outros levantamentos, que o assédio é muito maior sobre a população jovem e negra.
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(*) SERVIÇO
“SENTENCIANDO TRÁFICO. O Papel dos Juízes no Grande Encarceramento”
Lançamento: 07/10, das 18:30 às 21:30
Local: Livraria Martins Fontes (Paulista, Térreo Artes)
Endereço: Av. Paulista, 509 – São Paulo – SP.
Editora: Tirant lo Blanch Brasil.