Tribunal de Justiça paulista revê decisão que censurou foto sobre o Carandiru

O Tribunal de Justiça de São Paulo reviu decisão, da própria corte estadual, que mandava remover foto veiculada no UOL dos policiais militares condenados pelo Massacre do Carandiru, operação que resultou na morte de 111 detentos, em 1992.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, cassou essa liminar em 2018. No último dia 3, o TJ-SP proferiu decisão mantendo a imagem no site.

A proibição havia sido determinada em 2016, em ação de indenização ajuizada por policiais contra a TV Omega Ltda. (Rede TV); Globo Comunicações e Participações S/A e Universo Online S/A. (1)

Eles alegaram que, no dia 3 de agosto de 2013, sua imagem foi divulgada durante leitura de sentença em ação penal, o que, segundo os policiais, teria contrariado o segredo de justiça.

Argumentaram, ainda, que estariam à mercê de facções criminosas que poderiam usar as imagens e exterminá-los.

O juiz Valdir da Silva Queiroz Junior, da 9ª Vara Cível, não concedeu liminar. Os policiais recorreram ao TJ-SP, que mandou retirar a imagem. (2)

O acórdão do TJ-SP determinou que os veículos de imprensa “se abstenham imediatamente de veicular qualquer imagem ou dado qualificativo dos agravantes que os vinculem ao caso Carandiru”.

Em 30 de julho de 2018, Universo Online S/A apresentou reclamação ao STF, distribuída para o ministro Barroso. O UOL foi representado pela advogada Taís Borja Gasparian.

A reclamação esclarece que os policiais militares se insurgiram contra vídeo produzido e publicado pela Rede TV, na plataforma de compartilhamento de vídeos “UOL Mais”.

Ou seja, o UOL atuou como provedor de aplicações, não tendo vinculação com a produção ou seleção do conteúdo.

“Determinar a remoção do conteúdo e –-mais grave– a censura prévia de toda reportagem que venha a relacionar a imagem dos recorridos ao Massacre do Carandiru alija o debate público de forma inconstitucional”, sustentou a advogada.

O pedido de remoção feito de forma genérica imporia ao UOL “dever inconstitucional de fiscalização e controle dos seus domínios virtuais”.

A ordem prévia de abstenção de uso da imagem em matérias futuras também imporia ao UOL “o dever de agir como verdadeiro censor de futuras matérias jornalísticas veiculadas em sua plataforma, por si e por terceiros”.

O UOL sustentou que a matéria jornalística já publicada se limita a narrar fatos verídicos sem incorrer em qualquer devassa da intimidade dos retratados. “A matéria é de óbvio interesse público, posto que trata de acontecimento dos  mais notórios da história recente do Brasil.”

“Nada há nos autos ou na Constituição que justifique a censura imposta, as informações contidas na matéria já eram, inclusive, públicas e os policiais, réus no julgamento do Massacre do Carandiru, já são identificados naquele processo criminal – que como dito e repetido, não tramita em segredo de justiça”, reafirmou Gasparian.

Barroso: “Atuações estatais devem ser públicas”

Em 8 de agosto de 2018, Barroso reconheceu que “a notícia retrata fatos verdadeiros, que ocorreram em sessão de leitura de sentença – isto é, em local público”. (3)

Igualmente, admitiu o interesse público da apuração jornalística.

“Os interessados em proibir a divulgação da notícia são policiais, e, portanto, atuaram como agentes públicos durante a intervenção no presídio do Carandiru”, afirmou o ministro.

“Essa circunstância induz um abrandamento da tutela de seus direitos de privacidade, já que, em um regime republicano, as atuações estatais devem ser, em regra, públicas.”

O ministro considerou plausível a tese de que o acórdão afronta a autoridade da decisão proferida pelo Supremo na ADPF 130, “por ter restringido de forma desproporcional as liberdades de expressão”.

“Com isso, não se está a menosprezar a honra e a imagem de eventuais ofendidos, mas a afirmar que esses bens jurídicos devem ser tutelados, se for o caso, com o uso de outros instrumentos de controle que não importem restrições imediatas à livre circulação de ideias, como a responsabilização civil ou penal e o direito de resposta”.

“Considero igualmente evidenciado o perigo de dano de difícil reparação. A exequibilidade imediata de decisão que constitui censura prévia gera, por si só, prejuízos à liberdade de expressão”.

Barroso julgou ainda mais grave o fato de que o UOL poderia ser compelido, “com base em mera indicação dos interessados e sem ordem judicial específica, a remover conteúdos inseridos em suas plataformas por outros usuários que sequer figuram como partes da demanda de origem”.

Finalmente, registrou que “a manutenção dos efeitos de ordem aparentemente contrária à decisão com efeitos vinculantes gera danos difusos ao sistema jurídico, porque prejudica a função, atribuída ao Supremo Tribunal Federal, de uniformizar a interpretação das normas constitucionais”.

Barroso deferiu o pedido liminar, para suspender os efeitos do acórdão do TJ-SP.

TJ-SP reconhece o direito de informar

No último dia 3 de outubro, a 4ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou provimento ao apelo dos policiais militares.

Participaram do julgamento os desembargadores Enio Zuliani (presidente), Alcides Leopoldo e Marcia Dalla Déa Barone. O relator foi o desembargador Natan Zelinschi de Arruda.

A advogada Mônica Filgueiras Galvão fez sustentação oral, representando o UOL.

A Câmara decidiu que “a sentença apelada merece ser mantida”.

“Os próprios apelantes ressaltaram expressamente que toda a imprensa nacional teve acesso aos autos” (…) “o que demonstra que não havia sigilo processual”, votou o relator.

Os desembargadores entenderam que a divulgação pelos noticiários televisivos do Massacre do Carandiru “se limitara a reproduzir o que constara do conteúdo dos autos”.

“Não houve afronta à dignidade da pessoa humana dos apelantes, ou exposição à situação vexatória, mas unicamente exerceram o direito de informar o que, inclusive, está ligado ao interesse público”, decidiram.

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(1) Processo nº 1082287-38.2016.8.26.0100, 9ª Vara Cível – Foro Central Cível

(2) Acórdão de Agravo de Instrumento nº 2215961-07.2016.8.26.0000.

(3) Tutela Provisória na Reclamação 31.315 São Paulo