Juiz rejeita arquivar inquérito contra petista preso com dólar na cueca
O juiz Danilo Fontenelle, titular da 11ª vara da Justiça Federal do Ceará, rejeitou pedido de arquivamento do inquérito instaurado com a prisão em flagrante, no aeroporto de Congonhas, de José Adalberto Vieira da Silva, que tentou embarcar para Fortaleza, em julho de 2005, com dólares na cueca.
Assessor do deputado federal José Nobre Guimarães (PT-CE), ele transportava R$ 209 mil numa maleta de mão e US$ 100,5 mil junto ao seu corpo, sem comprovação de origem e registro de câmbio.
À época dos fatos, José Adalberto Vieira da Silva era Secretário de Organização do Partido dos Trabalhadores no Ceará, além de assessor parlamentar de Guimarães.
José Nobre Guimarães é irmão do ex-deputado federal José Genoino Neto, ex-presidente do PT, que foi ouvido no inquérito e disse não ter nada com o ocorrido.
O arquivamento do inquérito foi requerido pelo procurador da República Régis Richael Primo da Silva, em junho deste ano. O juiz Fontenelle vislumbrou elementos de uma corrupção sistêmica estrutural.
“Creio, pelo contido nos autos, ser razoável entender-se que a origem e movimentação do numerário apreendido são ilícitas, o que traz a indicação da possibilidade do crime de lavagem de dinheiro”, registrou o juiz em sua decisão.
“Tendo em vista a não prescrição dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, rejeito o pedido de arquivamento e determino o encaminhamento à Procuradoria Geral da República”, decidiu Fontenelle.
Quando um juiz rejeita pedido de arquivamento feito pelo MPF, o processo é remetido para o Procurador Geral da República. Ou seja, caberá ao PGR Augusto Aras arquivar o caso ou designar outro procurador local para denunciar ou continuar as investigações.
Aras também deverá decidir sobre o que será feito do dinheiro apreendido –se será devolvido. O dinheiro encontra-se em depósito judicial.
Ouvido em julho de 2005, o deputado José Guimarães afirmou “não saber a origem do dinheiro apreendido com Adalberto, negando qualquer envolvimento com o fato”.
Em 31 de maio de 2010, a autoridade policial indicou a participação do deputado federal nos fatos e o seu gozo de foro privilegiado. Em 2018, o ministro Barroso entendeu que “a conduta imputada ao investigado se deu em momento anterior ao exercício da função de deputado federal e sem vínculo com o exercício do cargo”. Barroso declinou da competência do STF.
Em ação civil pública relatada pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, o deputado foi excluído do polo passivo, em 2012. Ou seja, o STJ o excluiu da ação de improbidade –que correu na 10ª Vara Federal do Ceará–, mas a questão penal continua aberta por conta da rejeição do arquivamento.
Segundo o relatório de Fontenelle, a investigação centrou-se apenas na hipótese adotada pela autoridade policial de que o dinheiro transportado era parte de propina em virtude de aprovação ilícita, pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB), de financiamento para custear a construção da linha de transmissão de energia elétrica do Piauí ao Ceará.
Fontenelle entendeu que essa hipótese não ficou comprovada. “Vislumbro, pois, que o fato de um assessor parlamentar ter sido preso com cerca de atuais R$ 600 mil sem origem ou destinos conhecidos, nem explicação plausível ou verossímil, indica indícios suficientes da ocorrência de modalidade até então não conhecida de corrupção sistêmica estrutural”.
“Não há como deixar de registrar que as investigações e processos oriundos da chamada Operação Lava Jato revelaram as entranhas e tentáculos da corrupção em dimensões e matizes até então nunca vistos ou considerados pela doutrina e jurisprudência, sendo o caso em apreço possivelmente revelador de matizes assemelhados”, registrou.
O magistrado mencionou “a criação, manutenção e preservação de uma rede de apoio político/administrativo com o fito de favorecimento de grupos mediante atos indefinidos e atemporais, muito característico das organizações criminosas de matiz mafioso, onde o silêncio, o segredo, as aparência e os disfarces são elementos primordiais à sua própria criação, manutenção, desenvolvimento e reprodução”.
Sobre a questão do sigilo, Fontenelle registrou: “os fatos em investigação, popularmente conhecidos como ‘o caso dos dólares na cueca’, são mais que notórios e chegam mesmo a fazer parte do imaginário popular, sendo comuns especulações e assertivas desvinculadas do conteúdo dos autos.”
“Revela-se sempre necessária a transparência das atividades estatais com os respectivos esclarecimentos dos fatos a cargo do Judiciário, principalmente quando dizem respeito à história política nacional contemporânea ante a presença de caráter de interesse público, pelo que o sigilo anteriormente decretado deve permanecer quanto aos elementos bancários e eventuais dados telefônicos, cujos elementos encontram-se nos autos quanto nos apensos, mas não quanto à presente decisão”.
“A investigação findou ao alcançar catorze anos, não havendo que se cogitar da possível interferência de terceiros no andamento da mesma”, concluiu o magistrado.