CNJ arquiva caso de juiz que anulou condenações do Massacre do Carandiru
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) arquivou nesta terça-feira (22) reclamação disciplinar contra o desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, acusado de beneficiar a Polícia Militar no julgamento que anulou a condenação de 74 policiais militares envolvidos no Massacre do Carandiru.
Por maioria, o plenário entendeu que “não existe nos autos indícios mínimos ou provas que demonstrem haver o magistrado transgredido as exigências éticas e deveres funcionais no exercício da magistratura”.
A reclamação foi formulada por mais de 60 entidades e defensores dos Direitos Humanos.
Em setembro de 2016, Sartori concedeu habeas corpus de ofício, “para que as absolvições proclamadas pelo Conselho de Sentença, atinentes a três corréus no julgamento realizado em 15 de abril de 2013, fossem “estendidas a todos os demais réus, sem exceção, ficando eles absolvidos de todos os crimes que lhe são imputados”.
Segundo entendeu o desembargador, “não pode o Poder Judiciário dar duas soluções distintas para idêntica situação, sob pena de violação à teoria unitária ou monista do concurso de agentes, adotada pelo Código Penal, e até ao princípio constitucional pétreo da isonomia”.
Nesta terça-feira, o colegiado seguiu o voto do então corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que, em dezembro de 2016, indeferiu o pedido de afastamento de Sartori (o ex-presidente do TJ-SP se aposentou em março deste ano).
Segundo o relatório de Noronha, os requerentes alegaram, em resumo, que:
a) ao invocar a tese de legítima defesa, Sartori “agiu com parcialidade em benefício da Polícia Militar”, violando o direito à fundamentação das decisões judiciais;
b) ao se manifestar nas redes sociais e nos meios de comunicação sobre o caso, violou o dever de decoro;
c) ocorreu excesso de prazo injustificado no processamento e julgamento das apelações;
d) Sartori incorreu em violação do dever do Estado de apurar crimes contra os direitos humanos.
Em maio de 2018, sob o título “A saga do Carandiru”, a Folha publicou editorial sobre o massacre e as reviravoltas processuais, como sinal de que “o Judiciário não consegue tomar decisões em tempo hábil e, quando se pronuncia, acaba por causar mais confusão”.
O editorial fez referência à decisão do TJ-SP de “manter a anulação dos cinco júris –que haviam condenado 74 policiais militares a penas que variavam entre 48 e 624 anos”.
“Há motivos para suspeitar de uma ação homicida deliberada, já que cada detento morto recebeu, em média, cinco tiros, enquanto nenhum policial foi alvejado; sobreviventes foram forçados a tirar as roupas e a empilhar os corpos; a cena do crime foi alterada”, registra o editorial.
“É possível que tudo termine em prescrição”, opinou o jornal.
A decisão do CNJ atualiza avaliações de entidades defensoras de direitos humanos que emitiram “Nota Pública” por ocasião da decisão do então corregedor nacional. “O caso Carandiru fortalece a avaliação internacional de que as instituições repressivas brasileiras são corporativas e incapazes de responsabilizar juridicamente seus membros”, afirmaram os signatários.
Igualmente, reforça a avaliação do diretor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena Vieira:
“O Massacre do Carandiru, assim como o de Carajás e o da Candelária, constitui demonstração cabal da continuidade de estruturas autoritárias, que permanecem a exercitar seu poder arbitrário sobre os setores mais vulneráveis da sociedade brasileira, mesmo sob uma nova ordem constitucional”.
“O Massacre do Carandiru talvez constitua apenas um símbolo destacado da incompletude de nossa transição. Seja pela brutalidade que marcou aquele momento, seja pela negligência das diversas instâncias de aplicação da lei em reconhecerem o abuso e responsabilizarem os que o praticaram”.