Distanciamento soberano dos ministros
Sob a justificativa de “quebra da liturgia própria do Judiciário”, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, devolveu ao presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, desembargador Cid José Goulart Júnior, o convite para a solenidade de entrega de medalha ao ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça.
“Integrante de cerimonial não se dirige diretamente a ministro do Supremo”, observou o ministro, em ofício ao presidente do TRE-SC.
Não é a primeira vez que Marco Aurélio se recusa a receber expediente sob o argumento de violação da liturgia do cargo.
Em 9 de agosto de 2012, a procuradora regional da República Maria Luísa Rodrigues de Lima Carvalho, da 3ª Região (SP/MS), enviou ofício ao ministro, pedindo preferência no julgamento de um recurso que poderia ser decisivo sobre o repatriamento de US$ 13 milhões depositados na Suíça pelo ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, considerado o mentor da Operação Anaconda.
A procuradora informou na petição que tais valores seriam perdidos em favor do ex-juiz se o relator não decidisse a questão, pendente desde 1º de outubro de 2008. A prescrição ocorreria em 2015.
Marco Aurélio determinou a devolução da petição à procuradora, registrando que “junto ao Pleno do Supremo atua o procurador-geral da República”.
Somente um ano depois, em agosto de 2013, o ministro determinou a preferência naquele julgamento, quando o então PGR, Roberto Gurgel, manteve as mesmas razões expostas pela subprocuradora-geral.
Em nome da liturgia, e também por questões de segurança, tem havido um maior distanciamento dos ministros, que evitam a aproximação do cidadão comum.
Durante os julgamentos do mensalão e da Lava Jato, para resguardar os membros do tribunal do contato com a imprensa e com o público, o STF isolou áreas internas e externas para assegurar que os ministros ingressassem no prédio sem serem interpelados, nos dias de sessões.
Mais recentemente, a imprensa noticiou que o presidente do STF, Dias Toffoli, pretende garantir a privacidade com uma “passagem reservada”, subterrânea, que dará acesso exclusivo para os ministros e outras autoridades chegarem e saírem do Supremo sem serem vistos.
Essa prática, contudo, não é nova. Parece ser resquício da construção das sedes majestáticas dos tribunais superiores em Brasília.
Em 1999, no décimo aniversário do STJ, o tribunal publicou um luxuoso álbum (patrocinado pela Souza Cruz), com depoimento do arquiteto Oscar Niemeyer sobre a obra.
Niemeyer procura explicar os gastos com a sede suntuosa e justificar os elevadores privativos:
“O problema da economia sempre esteve presente nos contatos que mantivemos com os dirigentes do STJ. (…) O mesmo ocorreu com a decisão de dar aos ministros acesso direto, da garagem aos seus gabinetes, solução que dispensa comentários diante dos princípios de conforto, privacidade e independência de que carecem”.