Apologia à ditadura é crime que deve ser apurado, diz advogado

O advogado e procurador regional da República aposentado Rogério Tadeu Romano considera “uma afronta que deve ser objeto de apuração criminal” a afirmação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre a aprovação de “um novo AI-5” se houver uma radicalização da esquerda.
Eis trechos destacados de análise enviada ao Blog:
Observe-se o que foi dito no site do jornal O Globo, na data de 31 de outubro do corrente ano:
“O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro , afirmou que caso haja uma radicalização da esquerda a resposta pode ser via “um novo AI-5 “, que afronta a Constituição de 1988. A declaração foi dada em entrevista à jornalista Leda Nagle , publicada em um canal do Youtube na manhã desta quinta-feira.
— Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual à do final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam-se e sequestravam-se grandes autoridades, cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente via precisar ter uma resposta. E a resposta, ela pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como aconteceu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada — afirmou Eduardo.
Ele descreveu a esquerda como um “inimigo interno” e disse esperar não chegar ao ponto de um novo AI-5.
– É uma guerra assimétrica, não é uma guerra onde você está vendo o seu oponente do seu lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno de difícil identificação aqui dentro do país. Espero que não chegue a esse ponto, mas a gente tem que estar atento.”
Trata-se de uma verdadeira apologia à ditadura em afronta ao Estado Democrático de Direito.
Aliás, há uma afronta à lei de segurança nacional que deve ser objeto da devida apuração criminal.
Trata-se de crime doloso, de perigo.
A Lei 7.170/83, mais conhecida como Lei de Segurança Nacional, foi promulgada pelo regime militar em 1983, com a justificativa de definir crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Portanto, um texto legal criado num regime de exceção, com o objetivo maior de proteger a ditadura que se instalou no país.
Porém, essa norma não foi revogada e ainda se encontra em pleno vigor. Analisando seu conteúdo à luz de um Estado democrático de Direito, constitui-se certamente um entulho autoritário que permanece até nossos dias.
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Instituto Vladimir Herzog também vê crime
Em nota oficial, o Instituto Vladimir Herzog repudiou as afirmações do deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Eis a íntegra da manifestação:
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O Instituto Vladimir Herzog vem a público para manifestar seu mais profundo repúdio com a declaração de Eduardo Bolsonaro, que afirmou que as manifestações contra o governo podem ter como resposta um novo AI-5.
O Ato Institucional nº 5, de 1968, foi o mais violento decreto imposto pela ditadura militar. Resultou em perda de mandatos de parlamentares, suspensão de garantias constitucionais e institucionalização da tortura como instrumento de repressão do Estado.
A fala de Eduardo Bolsonaro é, portanto, uma inaceitável ameaça à democracia e às instituições brasileiras. Como se não bastasse, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, e o Código Penal, em seu artigo 286, determinam que qualquer apologia, propaganda ou defesa da ditadura é crime e, portanto, deve ser tratada como tal.
É inadmissível que um deputado federal, que deve ter como diretriz de sua conduta a Constituição e o conjunto de leis que regem a sociedade brasileira, cometa um crime deste tipo e indique a ruptura democrática como alternativa para a solução dos complexos problemas que o Brasil vem enfrentando.
Não é a primeira vez que alguém da família Bolsonaro – e aqui está incluído o próprio presidente – faz apologia à ditadura militar e, assim, põe em xeque a democracia brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional não podem mais ser tão condescendentes com este tipo de conduta. A sociedade não pode mais aceitar relativizações e tentativas de revisionismo histórico de um período marcado por violência, autoritarismo, corrupção e gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas contra cidadãos em todo o país.
Na tentativa de alimentar a sanha conservadora que marca este governo, o presidente, seus filhos e seus correligionários, evidenciam sua total incapacidade de compreender a escolha da humanidade e da sociedade brasileira por um caminho que preze pela liberdade, pelo respeito e pela justiça e de construir um futuro baseado nos ideais democráticos.
Há dez anos, nós do Instituto Vladimir Herzog – entidade que leva o nome de um jornalista brutalmente torturado e assassinado poucos anos depois da promulgação do AI-5 – exercemos, de forma muito bem sucedida, a missão de fazer com que a sociedade conheça o passado para entender o presente e construir o futuro.
Declarações como a de Eduardo Bolsonaro, se não tiverem uma resposta firme, rápida e consequente por parte do STF e do Congresso, sinalizam, de forma preocupante, que a tarefa de consolidar a democracia no Brasil ainda está incompleta e é indissociável da necessidade de se garantir o direito à justiça, à memória e à verdade a todos que sofreram com as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura.
Mas é justamente por acreditarmos em um ideal de nação que preze pela liberdade, pela convivência plural e pelo respeito mútuo, que reafirmamos nossa luta em defesa da democracia e dos direitos humanos e exigimos que o STF e o Congresso Nacional tomem as medidas cabíveis para que declarações como esta não se repitam e não permaneçam impunes.