O difícil julgamento de quem veste a camisa de candidato

A imprensa divulga foto –que circula nas redes sociais– da promotora Cármen Eliza Bastos de Carvalho, do Ministério Público do Rio de Janeiro, em que ela aparece vestindo uma camiseta estampada com foto do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro.

A promotora é membro da equipe que investiga a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), e fez campanha pela eleição de Bolsonaro.

Informa-se que ela também postou em sua rede social foto abraçada com o deputado Rodrigo Amorim (PSL-RJ), que quebrou uma placa em homenagem à vereadora assassinada em 2018.

O procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, recebeu pedidos para afastar a promotora de qualquer investigação que eventualmente envolva o presidente Jair Bolsonaro, informa Monica Bergamo, na Folha.

Os membros do Ministério Público possuem a garantia da inamovibilidade. Ou seja, só podem ser afastados por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa.

O órgão competente no caso é o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), atualmente sob a presidência do recém-nomeado procurador-geral da República, Augusto Aras.

Aras foi escolhido para o cargo, sem ter disputado o votos dos pares, tendo feito campanha independente afinado com o discurso de Bolsonaro.

Sabe-se que é vedado ao promotor “exercer atividade político-partidária”.

Há precedentes que sugerem iniciativas frustradas sobre o mesmo tema, envolvendo magistrados.

Em dezembro de 2018, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), presidido pelo ministro Dias Toffoli, arquivou os procedimentos contra 11 magistrados que se manifestaram nas redes sociais durante o período eleitoral.

Entre eles, o ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador aposentado Ivan Sartori, que postou no perfil do Facebook foto em que vestia camiseta com os dizeres ‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos’, slogan do então candidato Bolsonaro.

Na mesma sessão, foram analisadas postagens da desembargadora Kenarik Boujikian, do TJ-SP, no Facebook. Numa das fotos, ela veste camiseta com os dizeres #eleNão, um carimbo da oposição ao candidato do PSL.

Sartori alegou ao CNJ que a postagem feita por ele “não se enquadra no conceito de atividade político-partidária e que a expressão utilizada é de domínio público, não sendo exclusividade de partido político ou candidato”.

Kenarik Boujikian disse que as postagens no Facebook não se identificam com qualquer tipo de dedicação político-partidária, citando, a seu favor, jurisprudência e doutrina. Afirmou que “nunca realizou atividade político-partidária e jamais usou a jurisdição para fins político-partidários”.

Resta a hipótese de a promotora se declarar impedida para o exercício do cargo nas investigações envolvendo a família Bolsonaro. (*)

Toffoli pode ser citado como exemplo de que essa é uma questão difícil, pois se trata de foro íntimo.

Em 2003, então subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, Toffoli foi questionado por exercer simultaneamente a advocacia privada, representando clientes do Partido dos Trabalhadores.

O Ministério Público Federal entendeu que era ilegal aquela atividade, enquanto Toffoli atuava sob as ordens do então ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Toffoli sustentou que a Ordem dos Advogados do Brasil arquivara “uma representação de igual conteúdo, pois não há nenhum impedimento ou falta de ética”. Apresentou certidão em que a OAB-DF afirmava que ele estaria impedido apenas para advogar contra a União, que o remunerava.

Nomeado por Lula para o STF, Toffoli teve militância na advocacia defendendo os interesses do PT. Foi consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores, assessor jurídico da liderança do PT na Câmara e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência.

Toffoli não se declarou impedido para julgar dois ex-clientes, um ex-governador do Amapá e um ex-prefeito de sua cidade natal, Marília (SP).

Às vésperas do julgamento da ação penal do mensalão, Toffoli manteve suspense, não revelando se participaria das sessões.

No primeiro dia do julgamento do mensalão, o então procurador-geral da República Roberto Gurgel alegou que não questionou o impedimento de Toffoli para não atrasar o processo.

Na sessão do CNJ que absolveu os magistrados, em dezembro último, Toffoli disse que a abertura dos procedimentos para investigação da conduta dos juízes na campanha eleitoral evitou uma politização do Poder Judiciário.

Aparentemente, não foi bem isso o que ocorreu nos últimos meses.


(*) Nesta sexta-feira, às 17h43, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que a promotora deixou a investigação do assassinato de Marielle Franco [veja aqui]