Ação política do Supremo gera ‘brutal insegurança jurídica’, afirma De Sanctis
O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS), é autor de uma das mais duras críticas às sucessivas mudanças do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão após condenação em segunda instância.
Em entrevista concedida na semana passada, depois de palestra que proferiu na Faculdade Direito Santo André (Fadisa), De Sanctis comentou a “brutal insegurança jurídica” provocada pela atuação política do STF.
“Há uma preocupação muito consistente de organismos internacionais, que sabem que o Brasil está dando um passo brutal atrás”, disse, ao comentar o retrocesso nas investigações sobre crimes financeiros. Ele lamentou as investidas contra órgãos de controle, como o Coaf e a Receita Federal.
O juiz diz ver com tristeza as teses que só protegem “o criminoso econômico”, gerando desigualdade.
“Nesse ambiente de desonestidade garantida e blindada, realmente o país não vai para frente”, afirmou o magistrado.
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A seguir, os principais trechos da entrevista:
– O Brasil é um país aberto ao crime. Não podemos mais interpretar dessa maneira absoluta o direito de garantia. É óbvio que temos que proteger o direito à inocência, como é protegido em todo e qualquer país, com ponderação e com efetividade. É simplesmente aplicar e fazer cumprir a lei penal, que é a lei votada pelo Congresso Nacional.
– [Essa mudança] não precisa ser por emenda constitucional. Juristas americanos falam que a Constituição é um texto vivo. A Constituição não é algo para o futuro. É um projeto de sociedade. No interior desse texto constitucional está a igualdade. É fazer valer a igualdade das pessoas.
– A partir do momento em que a gente vê esse tratamento dual da Justiça… a partir do criminoso econômico, teses que só os protegem passam a valer, temos, portanto, a desigualdade.
– Em 1991, o STF, por oito [votos] a zero, entendeu o direito constitucional da prisão antes do trânsito em julgado… logo depois da Constituição. Nós ficamos com um sistema que faz, e desfaz. Uma insegurança brutal jurídica. Com isso, a gente está afastando investidores, a economia não vai para frente.
– O que se deseja, de fato, é um reforço da sociedade civil. É o reforço da democracia no sentido da igualdade, é o reforço do estado de direito. É o reforço do progresso econômico.
– Só num ambiente honesto é que as melhores empresas virão, os melhores políticos e as pessoas honestas virão para a política. Agora, nesse ambiente de desonestidade garantida e blindada, realmente o país não vai para frente. E eu vejo com muita preocupação as decisões, com todo o respeito ao Supremo.
– Acho que esse contato político do Supremo faz muito mal. Essas decisões que deixam de ser técnicas, ou podem ser interpretadas como não-técnicas acabam desacreditando o próprio Poder Judiciário, a própria crença no direito e na Justiça. Eu acho isso muito triste.
– Espero que os ministros pensem muito mais na realidade –aliás, não sou eu só falando, porque o Código de Processo Civil fala que nenhuma decisão pode ser tomada sem considerar a realidade.
– Eu vejo com preocupação as decisões. Eu sou magistrado também, tento aguardar. Diante do decidido, não se tem muito o que fazer. A pressão internacional é grande, há uma preocupação muito consistente de organismos internacionais, que sabem que o Brasil está dando um passo brutal atrás, neste ano.
– Até recentemente, [o país] era elogiado pelo esforço da Lava Jato e de outras operações. Eu mesmo fui titular de outras operações, e com muito custo se chegava a algum resultado mínimo, quase zero na verdade.
– Neste ano está havendo um retrocesso, investidas na Coaf, investidas na Receita Federal, com justificativas que não se justificam… o Poder Judiciário investigando fatos…
– Com todo respeito, porque hoje a gente fala e pode ser processado, mas eu não posso deixar de falar, eu sou um cidadão e sou um juiz.