‘Autorização judicial para receber dados do Coaf enfraquece combate à lavagem’
A subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen concorda com a opinião do procurador-geral da República, Augusto Aras, de que não é necessária autorização judicial para que o Coaf –atual Unidade de Inteligência Financeira Nacional (UIF)– envie relatórios ao Ministério Público e à Polícia.
Frischeisen é coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal. Ela foi uma das signatárias de nota publicada na véspera, em que o MPF afirma esperar que o Supremo Tribunal Federal confirme, nesta quarta-feira (20), a legalidade do compartilhamento de dados fiscais e bancários com o Ministério Público.
Em memorial enviados aos ministros do STF, Aras afirmou que a exigência de autorização judicial pode enfraquecer o combate à lavagem de dinheiro, expondo o Brasil ao risco de exclusão de organismos internacionais pelo descumprimento de recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI).
“Exigir que o Poder Judiciário intermedeie o envio de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) ao Ministério Público e à Polícia tornaria o microssistema antilavagem, além de contrário às recomendações do GAFI e apartado do padrão mundial, disfuncional”, diz Aras.
“O enfraquecimento do microssistema brasileiro antilavagem debilitará a capacidade do Brasil de reagir a crimes graves. Isso, ironicamente, interessa não aos cidadãos – titulares do direito ao sigilo discutido nestes autos, mas sim àqueles que praticam os crimes que mais prejudicam a sociedade brasileira”, afirma o procurador-geral
“Concordo com o procurador-geral que os RIFs demonstram operações atípicas de movimentação de bens e ativos e não só movimentação financeira”, diz Frischeisen. “São muitos os órgãos obrigados a informar operações atípicas –como leiloeiros, galerias de arte, cartórios de imóveis”, diz.
“Essa é uma parte importante a ser explicada, quando se trabalha para prevenir ou reprimir qualquer crime praticado por organização criminosa, desde o tráfico de drogas até corrupção. É preciso saber quem financia e quem lava. Os RIFs são essenciais para isso”, afirma Frischeisen.
Ela diz que muitas vezes não é necessário o pedido de quebra do sigilo, “porque se verifica com a oitiva da pessoa que a movimentação foi lícita”.
“O mesmo ocorre com informações fiscais e movimentações bancárias que foram usadas pela Receita Federal para autuar contribuintes por sonegação fiscal e que são enviadas pela Receita ao MPF em representações para a propositura de ações penais”, diz a subprocuradora-geral.
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Trechos da síntese do memorial de Aras:
– “O Estado brasileiro se comprometeu com o regime convencional antilavagem de dinheiro, anticriminalidade organizada, anticorrupção e antiterrorismo”.
– “A UIF, por sua vez, a partir da LC n.º 105/2001, passou a ter acesso direto, independentemente de prévia autorização judicial, a dados bancários e fiscais detalhados das pessoas”.
– “Com a aceitação do Brasil no GAFI, ocorrida em 2000, a UIF brasileira se juntou às principais democracias do mundo no que tange às práticas de receber, analisar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro”.
– “É essencial, segundo as práticas internacionais e as recomendações do GAFI – todas incorporadas até o momento pela ordem jurídica brasileira –, que esse microssistema seja dotado de características como: (i) possuir mecanismos de cooperação e de troca direta e sem amarras de informações entre os diversos órgãos do Estado; (ii) que essas informações sejam aptas a viabilizar ações rápidas e eficientes dos órgãos responsáveis pelo combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.
– “Exigir que o Poder Judiciário intermedeie o envio de RIFs ao MP e à Polícia tornaria o microssistema antilavagem, além de contrário às Recomendações do GAFI e apartado do padrão mundial, disfuncional.
– “Em vez de rápido e eficaz, o microssistema contaria com mais uma etapa procedimental, de natureza quase cartorária e de benefício duvidoso ao cidadão. Só em 2018, o COAF recebeu 414.911 comunicações de operações suspeitas”.
– “O MP e a Polícia, ao receberem o RIF, não têm acesso à integralidade dos dados financeiros dos contribuintes, mas, apenas, àqueles dados que fundamentam a suspeita da prática criminosa. Jamais são enviados a tais órgãos extratos bancários, aos quais, aliás, nem mesmo o COAF tem acesso”.
– “O intercâmbio de informações por meio do RIF atinge apenas uma parte do direito ao sigilo de dados do contribuinte, justamente aquela parte referente a dados que consistem em indícios da prática de crimes. Todo o restante do sigilo continua preservado, inclusive em face dos órgãos de persecução penal”.
– “Devem ser consideradas as graves consequências que o eventual descumprimento das Recomendações do GAFI causarão para o Brasil. Elas passam pela inclusão do Brasil em listas de países com deficiências estratégicas (de alto risco ou sob monitoramento), pela aplicação de contramedidas impostas pelo sistema financeiro dos demais países, podendo chegar até a sua exclusão do GAFI, do G-20, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial”.