Justiça vai leiloar cobertura duplex e casa do ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos
A Justiça Federal autorizou o leilão de dois imóveis do ex-juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, principal mentor da quadrilha desbaratada pela Operação Anaconda, em 30 de outubro de 2003.
Em março daquele ano, a Folha publicou reportagem de autoria do editor deste Blog revelando que o juiz morava num apartamento duplex de cobertura na rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. (*)
A publicação antecipou em oito meses a deflagração da primeira grande operação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal.
A posse desse imóvel foi um dos indícios de que Rocha Mattos ostentava patrimônio incompatível com os ganhos de um juiz. O apartamento, com cinco vagas na garagem, no bairro de classe média alta, está avaliado atualmente em R$ 2,8 milhões. Foi adquirido em 1998 através de uma offshore uruguaia, a Cadiwel Company S.A., com recursos de venda de sentenças e decisões judiciais.
O outro imóvel a ser leiloado é uma casa com valor estimado em R$ 1,5 milhão, situada em condomínio de luxo no bairro do Alto da Boa Vista, também na capital paulista.
Os dois imóveis estão sequestrados desde 2006 por determinação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). Irão a leilão em março de 2020. O valor arrecadado será inteiramente destinado à União.
A ordem foi expedida pela 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo após Rocha Mattos ter sido condenado por crimes de lavagem de dinheiro. Essa ação foi ajuizada pelo MPF em 2006. A condenação só veio a transitar em julgado em dezembro de 2018, ou seja, 12 anos depois. (**)
A doleira Nelma Mitsue Penasso Kodama foi condenada no mesmo processo a 3 anos e 6 meses de reclusão, pena substituída pelo TRF-3 por restrições de direitos. Ela já havia sido condenada também na Operação Lava Jato.
Segundo informa a Procuradoria Regional da República da 3ª Região (SP/MS), Rocha Mattos cumpre pena em regime fechado no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo. As penas impostas ao ex-juiz pela prática dos crimes de prevaricação, corrupção passiva, fraude processual, tráfico de influência, peculato e lavagem de dinheiro totalizam 34 anos e 22 dias de reclusão.
Além da alienação dos dois imóveis em favor da União, foram recuperados R$ 19,4 milhões pelo MPF com o trânsito em julgado de ação na qual Rocha Mattos era acusado de corrupção passiva. Os recursos estavam depositados em uma conta bancária do ex-juiz na Suíça.
Negócios com doleiros
Na edição de 23 de março de 2003, a Folha revelou que o juiz João Carlos da Rocha Mattos, então titular da 4ª Vara Criminal em São Paulo, era alvo de uma investigação criminal sigilosa pelo TRF-3.
A apuração teve origem numa fita cassete com depoimento prestado em abril de 2000 por uma ex-estagiária da Justiça Federal, ex-namorada de Rocha Mattos, que teria revelado a promotores informações sobre o apartamento de cobertura e eventuais relações do juiz com doleiros e advogados de doleiros.
Cópia do registro desse imóvel em cartório foi enviada ao jornal por um leitor anônimo.
O apartamento foi adquirido em 1998 pela “offshore” uruguaia Cadiwel Company S.A., criada no mesmo ano e cujo procurador era o advogado paulista Carlos Alberto da Costa Silva, que defendia doleiros e também foi preso na Operação Anaconda.
Ouvido na ocasião pela reportagem, em seu gabinete, Rocha Mattos disse que não morava mais no imóvel da rua Maranhão, embora eventualmente ainda usasse o apartamento.
Disse que nunca escondeu esse endereço. Afirmou que Costa Silva era seu amigo, embora não fosse íntimo, disse que foi inquilino do apartamento, tendo feito reformas no imóvel.
O juiz alegou não saber quem era o dono da empresa uruguaia, e sustentou que os recursos da “offshore” entraram legalmente no país.
Admitiu que teve um “relacionamento amoroso” com a ex-estagiária que trabalhou na 4ª Vara. Alegou, ainda, que o depoimento dela foi obtido sob coação psicológica e versaria apenas sobre questões pessoais. Ainda segundo o juiz, a fita cassete seria prova ilícita, colhida por autoridades incompetentes.
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(*) Os fatos estão descritos no livro “Juízes no Banco dos Réus” (Publifolha, 2005)
(**) Ação Penal nº 0040367-47.2000.4.03.0000