‘Querem que os magistrados sofram calados’, diz juiz que criticou o CNJ

Se já estivesse em vigor a resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que pretende regular o uso de redes sociais por magistrados, o juiz José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, poderia ser punido. O próprio magistrado admite isso.

Ele lamentou em sua página no Facebook, em novembro, as cobranças do TRT-15 para que as metas do CNJ sejam cumpridas.

A crítica foi feita dias depois de o CNJ premiar o tribunal, que tem sede em Campinas (SP), como a melhor corte trabalhista de 2019. [veja aqui]

“Os servidores estão cansados e desmotivados. Os juízes estão tristes e não se sentem mais realizados. Os desembargadores estão exaustos. As metas nos consomem ano após ano”, escreveu Silva, na ocasião.

No texto a seguir, Silva comenta a Resolução do CNJ, levanta dúvidas e faz fortes críticas ao documento.

“Querem que os juízes sofram calados todos os efeitos nefastos do sistema, da falta de estrutura material e humana, que adoeçam em silêncio e, assim, não afetem a imagem do Judiciário”, afirma.

Neste domingo (15), o Blog publicou a opinião de 13 magistrados. Doze dos consultados veem censura e autoritarismo nas normas propostas pelo CNJ. [veja aqui]

O objetivo anunciado pelo órgão é “conciliar a liberdade de expressão e a presença dos magistrados nas redes sociais com a preservação da imagem institucional do Poder Judiciário”.

José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva é juiz titular da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, que pertence à jurisdição do TRT-15.

Eis a íntegra de sua avaliação sobre a resolução, que será submetida ao colegiado do CNJ nesta terça-feira (17):

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O projeto de Resolução do CNJ, que visa estabelecer parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário, parece-me de uma amplitude desnecessária, com intromissões indevidas até no uso de redes privadas, além de contraditório em alguns aspectos.

Ademais, estipula normas tão abstratas e de conteúdo tão aberto que não se sabe sequer o que está sendo regulado.

O que seriam “manifestações que busquem autopromoção ou que evidenciem superexposição, populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública”?

Se o juiz postar mensagens diárias nas redes sociais, independentemente do conteúdo, estaria se expondo além do razoável?

E se o juiz for também professor, não poderá interagir com seus alunos pelas redes sociais? Se ele indicar alguma leitura que o CNJ considere inapropriada por ser de extrema esquerda ou de extrema direita, terá violado a Resolução?

Como se daria “a exposição negativa do Poder Judiciário” em suas mensagens? O juiz não pode fazer crítica alguma à forma desumana que as metas são fixadas pelo CNJ?

Nem mesmo em grupos de estudos ou de juízes-professores? Nem mesmo em grupos privados de WhatsApp? E se as Escolas Judiciais passarem a estudar as repercussões do excesso de trabalho, de cobranças das Corregedorias e de metas na vida funcional dos juízes? Eles poderão se manifestar?

Eventuais exageros que sejam cometidos nas redes sociais devem ser analisados e contextualizados “caso a caso”.

Você não vacina as pessoas contra doenças autoimunes, ou seja, não submete a “tratamento” uma população inteira por conta de “moléstias” que são imanentes a somente alguns poucos de seus integrantes.

Se a Resolução estivesse em vigor, eu mesmo poderia ser punido porque fiz recentemente uma manifestação sobre a triste realidade dos servidores, juízes e desembargadores do TRT-15, porque a despeito de o CNJ o considerar o melhor Tribunal trabalhista de 2019, o custo humano para isso ser alcançado não é aceitável.

As metas fixadas pelo CNJ, e cobradas com afinco pelo tribunal, têm levado a um número assustador de adoecimentos, licenças e sofrimento.

Os quadros estatísticos e suas comparações têm feito com que vários juízes sejam cobrados a aumentar sua pauta de audiências, o que implica mais julgamentos a serem realizados, aumentando também o trabalho dos servidores. Estes têm se aposentado até precocemente e não há reposição.

O efeito circular disso é mais trabalho, gerando sobretrabalho, estresse e doenças.

Há estudos científicos sobre isso. O juiz poderia comentar sobre eles nas redes sociais?

O que querem, portanto, é que os juízes sofram calados todos os efeitos nefastos do sistema, da falta de estrutura material e humana, que adoeçam em silêncio e, assim, não afetem a imagem do Judiciário, como se esta fosse uma das maravilhas do universo.