A fogueira das vaidades nos tribunais

As medalhas e os colares concedidos pelo Poder Judiciário servem para inflar o ego dos homenageados, alimentar a fogueira das vaidades e atender a interesses recíprocos.

Dois meses depois de o ministro Dias Toffoli assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou a proposta de homenageá-lo com a entrega do Colar do Mérito Judiciário. [veja aqui]

Juízes viram na homenagem o reconhecimento do tribunal às manifestações de Toffoli em defesa do reajuste salarial da magistratura e de outras questões corporativas.

Toffoli, como se sabe, é adepto de honrarias.

No final de sua gestão no Tribunal Superior Eleitoral, ele criou a Ordem do Mérito do TSE Assis Brasil.

Distribuiu 112 medalhas, meses depois de criticar os cortes no orçamento do Judiciário e afirmar que “o Estado tem que gastar melhor”.

O TSE informou que despenderia R$ 240 mil com a cerimônia, solenidade engalanada com a participação dos Dragões da Independência.

 

Ritualismo das cortes

 

No final de sua gestão, o presidente do TJ paulista, desembargador Manoel Pereira Calças, experimentou o desconforto de ver membros do Órgão Especial questionarem os critérios de indicação para o recebimento da “mais significativa dentre as láureas que o ritualismo desta Corte pode conferir a alguém”, como definiu tempos atrás o então presidente José Renato Nalini.

Na última sessão do Órgão Especial no mês de novembro, Calças disse que alguns colegas acharam que ele deveria retirar da pauta a proposta de indicar quatro personalidades a serem homenageadas neste ano, porque o limite seria distribuir apenas três condecorações.

A observação pode ser vista como filigranas da liturgia dos tribunais, ou implicâncias em final de gestão.

O presidente resolveu enfrentar as restrições isoladas, e manteve o assunto na ordem do dia.

Lembrou que uma resolução de 1989 menciona três indicações por ano, mas que, desde então, esse limite não tem sido observado. Informou que, em 2011 e em 2013, foram indicados, respectivamente, cinco homenageados.

Em aparte, um desembargador citou que o regimento prevê a extrapolação daquele limite, mas em casos excepcionais.

 

Currículos e peitos inflados

 

“Longe de questionar a indicação de Vossa Excelência”, ressalvou um desembargador, para dizer em seguida que acompanhava a sugestão do presidente, e acrescentar que o sistema deveria prever a distribuição antecipada de dados sobre os eventuais escolhidos.

Disse que consultara na véspera, no sistema Lattes, o currículo de um indicado menos conhecido.

A condecoração do tribunal paulista foi criada em 1973, para homenagear personalidades “por seus méritos e relevantes serviços prestados à cultura jurídica”.

Ao se referir à contribuição de um dos homenageados deste ano, Calças lembrou uma questão corporativa e citou “a heroica luta pelo auxílio saúde”.

Também a título de retribuição, valorizou o apoio didático que o tribunal recebeu de professores da USP e da PUC-SP na área do Direito Comercial –a mesma especialização do presidente que encerra o mandato.

Respeitadas as diferentes circunstâncias, vale para o TJ paulista o comentário registrado neste site, em 2018, sobre a condecoração criada por Toffoli:

“A Corte Eleitoral reproduz rituais de outros séculos, alimentando vaidades –com recursos públicos– em cerimônias que contrastam com a situação real das varas e dos cartórios do país”.

A crítica não era nova. Dez anos antes, registramos em reportagem na Folha:

“Se fossem obrigados a ostentar todas as condecorações recebidas, 26 dos 44 ministros do STF e do STJ vergariam com o peso das 410 medalhas citadas em seus currículos”. [veja aqui]