Dias Toffoli: do aprendizado na corte ao estilo imperial

Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, diz, em sua coluna na Folha, que o ministro Dias Toffoli sofreu com a crítica –“tola e bacharelesca”– de que não tinha estatura acadêmica e profissional para integrar o Supremo Tribunal Federal. [veja aqui]

Isso não o fazia inferior a qualquer outro ministro, mas ele “mordeu a isca”, comenta o professor.

Toffoli “optou por construir sua respeitabilidade por meio da exibição afetada de polimento intelectual”.

Alguns fatos parecem confirmar essa avaliação.

Em 2012, ao votar em mandado de injunção que pretendia sanar omissão legislativa para reconhecimento do direito à aposentadoria especial, o jovem julgador poliu uma mera decisão judicial, para sustentar que a jurisprudência não havia mudado.

“Não é propriamente que a jurisprudência haja mudado. Os tempos é que se fizeram diferentes. Num verbo, mudaram-se”, afirmou Toffoli.

A título de ilustração, reproduziu em seguida um soneto de Luís Vaz de Camões [veja a íntegra no final do post].

O ministro manteve linguagem sofisticada quando tentou justificar o uso da composição poética para tratar de uma simples questão jurídica:

“Se ao vate português, em toda sua métrica e medida, pareceu isso acorde, é indicativo de que por aí anda bem a verdade.

Em termos menos poéticos, fira-se e refira-se a que a transição do estado de inércia legislativa para o estado de iniciativa legislativa não serve de fundamento para esvaziar a pretensão deduzida nesta injunção.

Não se deu o nascimento da norma jurídica que se pretende possa colmatar a lacuna inerente ao artigo 40, § 4°, CF/1988.” (*)

Talvez o jovem ministro não imaginasse que o longo arrazoado, com o soneto destacado em negrito e citações de vários juristas, seria repetido doze vezes numa única edição do “Diário de Justiça”. Sobre o mesmo tema, o seu colega Joaquim Barbosa decidiu em apenas duas páginas.

No discurso de posse como presidente do STF, em setembro de 2018, ainda havia vestígios do tal polimento. Toffoli citou 21 autores e saudou número igual de autoridades.

“Vamos ao diálogo! Vamos ao debate plural e democrático!”, convocou, naquela peça.

Toffoli chamou para si o papel de conciliador entre os Poderes. Hoje é alvo de críticas da sociedade pelas medidas autoritárias que tomou, como, por exemplo, requerer ao Banco Central o acesso a todos os relatórios de inteligência financeira produzidos nos últimos três anos e determinar ao Coaf a entrega de dados fiscais de mais de 600 mil pessoas.

Em março deste ano, o Blog fez a seguinte previsão: “As anotações dos historiadores deverão registrar a contribuição do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, para o atual clima de incertezas”.

Antes de Toffoli assumir a presidência do STF, um episódio quase passou despercebido: o convite ao general Fernando Azevedo, ex-chefe do Estado-Maior do Exército, para assessorá-lo em seu gabinete.

“O convite ao general aconteceu num cenário conturbado pela campanha eleitoral de um candidato à Presidência da República que instigava membros da corporação militar, elogiava torturadores e pregava o armamento da população”.

Toffoli disse, via assessoria, que “a escolha obedeceu a critérios objetivos de habilidades e competências”. Ou seja, um “nada a declarar”.

O convite de Toffoli ao general não provocou reações públicas do STF.

Segundo Hübner Mendes, hoje, “Toffoli é gestor solitário da agenda constitucional do país”.

“Toffoli cassa liminares de colegas ministros quando geram ruído” (…); agenda e desagenda casos como quem escolhe o sabor do sorvete (…); e interrompe julgamentos quase acabados sem data para voltar” (…).

Como este Blog já observou, “o homem da rua deve se perguntar o que levou o presidente do STF a se sentir tão poderoso”.

Para tentar se colocar à altura dos outros ministros do chamado Excelso Pretório, Toffoli “mordeu a isca” e exibiu um afetado polimento intelectual, como anota o professor de direito.

Quem sabe, o lado imperial do ex-advogado do PT pode ter sido estimulado pelo silêncio conivente dos pares e pela falta de contrapesos no chamado Augusto Sodalício.

Ou seja, se um mordeu a isca, os demais podem ter engolido o peixe como lhes foi vendido.

 

 

(*) Eis o trecho destacado da decisão de Tofolli:

Em síntese, não é propriamente que a jurisprudência haja mudado. Os tempos é que se fizeram diferentes. Num verbo, mudaram-se. Em verdade, parafraseando Luís Vaz de Camões, em seu famoso soneto, tem-se como evidente:

‘Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança;

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já foi coberto de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto:

Que não se muda já como soía.’