Cármen Lúcia: assassinato de mulher por vingança mostra uma sociedade doente
Um dos fatos relevantes no Judiciário em 2019 foi a decisão unânime da 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) que negou, em novembro, liberdade a Wilson Campos de Almeida Neto, acusado de matar a companheira, Gisely Kelly Tavares dos Santos, com um tiro à queima-roupa.
“Um único e certeiro disparo de fogo, causando-lhe morte imediata”, segundo os autos. Ele responde pela acusação de homicídio consumado, triplamente qualificado.
O crime ocorreu na residência do casal, em Pernambuco, na madrugada de 19 de julho de 1917, dia do aniversário da vítima.
Eles saíram para celebrar a data. Ele voltou para casa visivelmente embriagado. Ela levou um tiro na cabeça, “constando que estaria desnuda no banheiro, possivelmente sentada no vaso sanitário”.
As minúcias do crime são descritas na denúncia de mais um caso de feminicídio praticado “por motivo torpe pelo desejo de vingança pelo iminente fim do relacionamento”.
A defesa sustentou o excesso de prazo na prisão, ocorrido em julho de 2017, primeiro temporária e depois convertida em preventiva.
Dois meses antes do crime, de posse da arma apreendida pela polícia, Wilson Campos de Almeida Neto teria efetuado disparo na garagem do prédio onde morava, e onde ocorreu a morte de Gisely.
Relatora do habeas corpus, a ministra Cármen Lúcia considerou idôneos os fundamentos para a prisão preventiva:
[…] Quanto à prisão do acusado, entendo que persistem os fundamentos que lhe deram ensejo, seja para garantia da ordem pública, ante os indicativos de reiteração delitiva, uma vez que responde a outro processo criminal por acusação de disparo de arma de fogo; seja para conveniência da instrução criminal, diante das informações de que o acusado, após o cometimento do fato ora apurado, teria levado consigo o aparelho celular da vítima, tendo sido apagadas mensagens trocadas por ela, vítima, e seu ex-marido, o que indicaria que teria ele, possivelmente, buscado prejudicar ou dificultar as investigações. Assim, mantenho a ordem de prisão preventiva.[…]”
A defesa argumentou que “a versão apresentada pela acusação é fruto exclusivamente de uma interpretação fantasiosa dos elementos de informação colhidos no inquérito”.
Sustentou que “as derradeiras alegações do Parquet (Ministério Público) simplesmente repisam a denúncia, sem que haja uma única referência às oitivas realizadas no curso da instrução [coleta de provas”.
Alegou, ainda, que “as duas únicas armas de fogo que o paciente possuía legalmente, devidamente registradas, estão, ambas, em poder da polícia, o que, por si só, já inibe, de maneira absolutamente eficaz, eventual possibilidade de reiteração ligada ao manuseio imprudente do objeto”.
Cármen Lúcia ressaltou que esse caso de feminicídio “parece mostrar uma sociedade adoecida”.
Ela citou dados do “Mapa da Violência de 2015”, revelando que em 2013 foram assassinadas 13 mulheres por dia no Brasil, mais de 4,6 mil – do total, 30% foram mortas por parceiros ou ex-companheiros.
Recente estudo apontou que uma mulher é vítima de violência doméstica no Brasil a cada três minutos.
“Neste quadro de verdadeira epidemia de violência contra mulher é que estamos vivendo. É preciso tomarmos cuidado se quisermos chegar a um nível de civilidade e não retornarmos a níveis de barbaridade.”
Para a ministra, não está caracterizado, no caso, excesso de prazo, e há fundamentação para a prisão.
“A constrição da liberdade guarda harmonia com a jurisprudência do Supremo”, afirmou, concluindo que “não há desídia, estando o processo tramitando de forma regular”.
O entendimento foi acompanhado por todos os colegas da turma.