CNJ julga pagamentos extras a juízes em meio a críticas sobre férias de 60 dias
Quando retomar as atividades, em fevereiro, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deverá decidir sobre o pagamento –não autorizado– de remuneração retroativa pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco no último mês de novembro.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, deverá submeter ao colegiado sua decisão sobre os pagamentos extras que juízes e desembargadores receberam a título de férias acumuladas.
“As apurações estão correndo dentro da normalidade, sem sofrer qualquer atraso e com ampla defesa. Nada mais a acrescentar. Tudo com a cabal obediência à Loman, Código de Ética da Magistratura e ao Regimento Interno do CNJ”, afirma Martins.
Naquele mês, como a Folha revelou, uma manobra contábil do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), assegurou o pagamento a alguns magistrados pernambucanos de rendimentos líquidos que chegaram a R$ 853 mil.
O presidente do TJ-PE, desembargador Adalberto de Oliveira Melo, recebeu R$ 331,1 mil líquidos em novembro, relativos a sete períodos acumulados (165 dias desde 2009).
O desembargador Ricardo de Oliveira Paes Barreto, assessor especial do corregedor Humberto Martins, recebeu R$ 109,4 mil líquidos.
A polêmica ocorre quando se especula sobre a possibilidade de a equipe econômica incluir na reforma administrativa a questão das férias de 60 dias.
Em agosto de 2018, antes de Dias Toffoli assumir a presidência do CNJ, a colunista Mônica Bergamo, da Folha, informou que o ministro apresentaria propostas ao Congresso para acabar com feriados exclusivos do Judiciário, e estudava o fim das férias duplas.
As férias de 60 dias expõem o Judiciário à crítica fácil, alimentando a imagem de um setor privilegiado, mesmo quando as comparações com outras categorias são indevidas. As férias duplas criam uma espécie de círculo vicioso. São justificadas, entre outros motivos, pelo fato de os juízes trabalharem muito. Como há muito trabalho, dizem, os juízes acumulam períodos de férias que não podem ser gozadas diante da necessidade do serviço.
O TJ-PE afirmou que a maioria de juízes e desembargadores acumula mais de dois períodos de férias não gozadas. Em alguns casos, esse acúmulo chega a dez ou 12 períodos, a depender das funções que exerçam perante a corte.
Em nota, o TJ-PE havia informado que o pagamento dos períodos de férias não gozadas e acumuladas no decorrer do tempo foi autorizado por resolução da corte, aprovada pelo CNJ em setembro.
À Folha, contudo, o CNJ confirmou que autorizou o TJ-PE a pagar indenização por férias não gozadas, mas que isso não incluía valores retroativos.
O CNJ pediu esclarecimentos ao tribunal.
Em dezembro, o CNJ noticiou que “o colegiado do TJ-PE reconheceu que ocorreu um erro de interpretação em face do significado de férias retroativas com indenização de férias acumuladas, matéria pacífica e adotada por toda a magistratura nacional”.
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O Blog pediu a avaliação de especialistas, juristas, ministros e magistrados –com a preservação de seus nomes– sobre quais eventuais punições poderiam ser aplicadas a dirigentes do TJ-PE, e os instrumentos legais que poderiam ser usados para restituição ao erário de valores pagos indevidamente –como o BacenJud. (*)
Eis trechos dos comentários:
– Acho que o CNJ não chegaria a bloquear valores. É certo que o presidente também recebeu. Os juízes, de uma maneira geral, possuem uma senha de acesso ao sistema BacenJud, muito rigorosa. Isso, naturalmente, deve ocorrer pelo menos com os magistrados integrantes do CNJ. Ocorre que os valores sacados já não estarão na conta dos beneficiários. Eventualmente, passaram para terceiros. Tanto os beneficiados magistrados como terceiros alegarão, em casos extremos, que receberam de boa-fé.
Sinceramente, em absoluta reserva, acho que a matéria vai entrar em banho-maria, até cair no esquecimento.
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– Os desembargadores e juízes dizem que gastaram o dinheiro. Como teriam agido de boa-fé, não seriam obrigados (em tese) a devolver o dinheiro. Se confessassem ter o dinheiro, teriam de devolvê-lo, ante a ordem do CNJ. Agora isso deve ser encaminhado à Fazenda de Pernambuco, que talvez deva executar um a um.
Quanto ao presidente do TJ-PE, ele não possui foro privilegiado em matéria cível. O BacenJud seria feito por um juiz de primeiro grau. Em tese o Estado também devia esses valores. Não sei se eles, juízes, são os inadimplentes.
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– Os valores recebidos indevidamente da administração por servidores públicos em geral (aplicável analogicamente aos magistrados) devem ser restituídos mediante desconto em folha, conforme art. 46 da Lei 8112/99. Para a Segunda Turma do STJ, o servidor ativo, aposentado ou pensionista que receber valores a maior da administração pública federal em seus vencimentos terá a possibilidade do desconto na remuneração, provento ou pensão, mediante prévia comunicação, admitindo-se o parcelamento no interesse do devedor.
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– As importâncias recebidas de boa-fé são devolvidas na forma da lei, ou seja, parceladamente. A forma de devolução pelo BacenJud pode ser aplicada se provado que não houve boa-fé no recebimento. O que considero improvável diante do manto protetor que envolve os membros do Judiciário, principalmente neste episódio que eles dizem-se protegidos por decisão do CNJ.
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– Os magistrados que autorizaram o pagamento ou receberam indevidamente respondem por improbidade administrativa. A gestão do BacenJud pertence ao CNJ. E cada tribunal indica um “master” para replicar o sistema aos demais juízes.
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-Qualquer um pode fazer BacenJud contra o presidente do tribunal. O tribunal controla quem pode acessar o sistema. Uma vez o juiz tendo autorização, pode fazer de tudo, contra quem for.
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– Que se desconte na fonte, mensalmente, até no limite de 30%, até a quitação. Simples assim.
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– Nesse caso, o BacenJud não poderia ser utilizado porque só pode ser feito como penhora (dentro de um processo em curso). Por isso, se feita uma ordem administrativa de devolução não obedecida, a Fazenda do Estado deve tentar, judicialmente, arrestar estes valores por meio de ação contra estes magistrados. Com a ação, pode ser feito o BacenJud no respectivo processo.
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O TJ-PE tem acumulado desencontros com o CNJ, e descumprido a Lei de Acesso à Informação.
Deverá, por exemplo, prestar informações ao CNJ sobre notícia de que os magistrados da corte estadual percebem R$ 4.787,00 a título de “vale refeição”, valor muito superior aos R$ 910,00 mensais percebidos pela Justiça Federal.
Em 2017, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou projeto de lei, de autoria do Poder Judiciário, permitindo ao tribunal daquele Estado aumentar os salários dos juízes a partir do auxílio-alimentação e do auxílio-moradia.
Na época, a Assembleia Legislativa era presidida por um juiz aposentado, deputado Guilherme Uchoa (PDT), que foi reeleito seis vezes para comandar a Casa. Uchoa morreu em julho do ano passado.
Em dezembro, a seccional da Ordem dos Advogados de Pernambuco considerou “impróprio e inadequado” o pagamento de férias vencidas e acumuladas a magistrados do TJ-PE
“Faltam recursos orçamentários para nomear servidores concursados e magistrados para o primeiro grau, mas não faltou para o pagamento das indenizações, na via administrativa, sem se submeter ao tortuoso caminho do precatório judicial”, diz a OAB de Pernambuco.
A distorção não é nova e não se restringe ao tribunal de Pernambuco.
Em 2011, na gestão do desembargador Ivan Sartori, o Tribunal de Justiça de São Paulo investigou se pagamentos privilegiados para 29 desembargadores, entre 2006 e 2010, foram feitos diretamente nas contas correntes dos magistrados, sem registro em contracheques.
Sartori mandou apurar por que cinco desembargadores haviam furado a fila para receber R$ 5,2 milhões em pagamentos de débitos trabalhistas atrasados.
Ele afastou a funcionária que cuidava de uma folha de pagamento paralela, com depósitos fora do contracheque dos juízes, elaborada em outro prédio do tribunal.
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(*) O BacenJud é um sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituição bancárias, para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet.
O BacenJud 2.0 foi criado por meio de convênio entre o Banco Central do Brasil e o Poder Judiciário. O sistema é operado pelo Banco Central do Brasil, tendo sido objeto de convênio celebrado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com vistas ao seu aperfeiçoamento e o incentivo de seu uso. Por meio do BacenJud os juízes, com senha previamente cadastrada, preenchem um formulário na internet solicitando as informações necessárias a determinado processo com o objetivo de penhora on-line ou outros procedimentos judiciais. A partir daí, a ordem judicial é repassada eletronicamente para os bancos, reduzindo o tempo de tramitação do pedido de informação ou bloqueio e, em consequência, dos processos. [Fonte: CNJ]