Lei da impunidade: advogado condenado a 99 anos cumprirá prisão domiciliar
Apesar de condenado a 99 anos e dez meses de prisão e de estar com o direito de advogar suspenso por decisão judicial, um advogado foi colocado em prisão domiciliar, porque a nova lei do abuso de autoridade criou a figura do crime contra a prerrogativa desses profissionais.
Ou seja, pela Lei 13.869/19, é considerado abuso mantê-los presos, antes do trânsito em julgado, em sala que não seja de estado maior.
O juiz da Vara de Execuções Penais de Contagem (MG), Wagner de Oliveira Cavalieri, deferiu ao sentenciado Igor Ben Hur Reis e Souza a prisão domiciliar, mediante monitoração eletrônica, porque havia discordância por parte da Ordem dos Advogados do Brasil sobre as instalações em que o advogado se encontrava em prisão provisória.
“Como diria Raul Seixas, ‘eu não sou besta pra tirar onda de herói’”. “Se é a vontade da sociedade, representada no texto legal aprovado pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da república, que assim seja”, registrou em despacho o juiz Cavalieri.
Segundo o juiz explica na decisão, “a lei do abuso de autoridade, por outros chamada de lei da impunidade, incluiu no estatuto da advocacia o art. 7B, o qual criou a figura do crime contra a prerrogativa do advogado consistente em mantê-lo preso, antes do trânsito em julgado da condenação, em sala que não seja de ‘estado maior’”.
Cavalieri diz continuar convicto de que o pavilhão H do Complexo Penitenciário Nelson Hungria “seja instalação dotada de condições físicas que se enquadrem no conceito da tal ‘sala de estado maior'”.
“Lamentavelmente, a lei que criminalizou a conduta do juiz de direito, ao menos em tese, não cuidou de definir o que seria considerado como ‘sala de estado maior’, permitindo indesejável abertura de interpretação do respectivo tipo penal”, acrescentou.
“A única certeza nestes autos é a de que não há certeza quanto ao derradeiro ‘entendimento jurídico’ que será adotado pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
“Aliás, a nova lei criou para o magistrado a ameaça de responder a crime de abuso de autoridade em tal hipótese, o que não me parece razoável e nem justo. Colocou-se a espada da incerteza sobre a cabeça daquele, que ao final e ao cabo, pretendia aplicar a própria lei.”
“Mas esse foi o resultado da criação legislativa, não vetada por sua excelência o presidente da República, cabendo a nós adequação aos novos tempos”, concluiu.
Em dezembro de 2018, após uma tentativa de fuga na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, o juiz Cavalieri decidiu que o estabelecimento não deveria receber mais nenhum preso até que fosse regularizada a situação de superlotação.
Na época, o presídio abrigava cerca de 2.300 mil presos apesar de ter capacidade para apenas 1.640 detentos.
“Há uma inércia jamais vista por parte de autoridades responsáveis pela manutenção e funcionamento do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, transferindo o peso da responsabilidade para a atual direção e para os agentes que trabalham lá”, afirmou o juiz na ocasião.
Foi a segunda vez naquele ano que a Justiça determinou a interdição do presídio. Em abril, Cavalieri limitou o número de presos a um máximo de 2.000.