‘Presidente não pode tudo’, diz Celso de Mello sobre ato contra o Congresso

É relevante a mensagem escrita enviada à Folha pelo ministro Celso de Mello –segundo revela Monica Bergamo– afirmando que o presidente Jair Bolsonaro não está à altura do cargo se apoiou ato contra o Supremo Tribunal Federal e contra o Congresso.

O ministro Celso de Mello está em licença médica –de 20 de janeiro a 19 de março. Não é a primeira vez que o decano rompe o silêncio do STF diante de fatos que exigiram uma manifestação da Corte Suprema.

Segundo o decano, se confirmada, a conclamação revela “a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!!”.

“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”, afirmou o ministro.

Em abril de 2018, coube ao decano fazer a defesa institucional da corte quando, às vésperas do julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, o então comandante do Exército, general Eduardo Vilas Bôas, disse repudiar a impunidade e afirmou que as Forças Armadas estavam atentas “às suas missões institucionais”.

Antes de proferir seu voto, o decano alertou que “em situações tão graves assim, costumam insinuar-se perigosamente pronunciamentos, ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a retomada de todo inadmissível de práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir”.

Celso de Mello lembrou o período da ditadura militar (1964-1985) como um alerta histórico a essas e a futuras gerações de que as “intervenções pretorianas” causam grave “inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais”.

“Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhe segue, a diminuir, quando não a eliminar, o espaço institucional reservado ao dissenso limitando desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possiblidade de livre expansão da liberdade política e do exercício pleno da cidadania”, disse.

Os jornalistas Felipe Recondo, sócio-fundador do site Jota, e Luiz Weber, colunista e secretário de edição da Sucursal de Brasília da Folha, narram no livro “Os Onze – O STF, Seus Bastidores e Suas Crises” que o decano Celso de Mello foi o único ministro a criticar a presença de um general no Supremo, quando o ministro Dias Toffoli, em setembro de 2018, nomeou o general Fernando Azevedo para sua assessoria no STF.

O livro registra que Toffoli esperava uma vitória de Bolsonaro e o militar seria uma espécie de antena para captar os sinais das Forças Armadas. Na ocasião, Celso de Mello foi visto como uma liderança contra retrocessos.

Como este Blog comentou, “numa democracia sólida, o guardião da Constituição não requer intermediários para auscultar o pensamento das Forças Armadas. Ou para servir de consultor fardado aos ministros da Corte Suprema”.

Em outubro de 2019, quando o STF homenageou os dez anos de atuação de Toffoli na corte, Celso de Mello relembrou a trajetória de Toffoli, na abertura da sessão.

O decano lembrou os “surtos autoritários, inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de direito e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil”.

Celso de Mello reafirmou que o STF “não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição”.