CNJ apura manifestação de juiz contra Bolsonaro e AJD vê ‘censura seletiva’
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou procedimento preliminar para apurar manifestação do juiz do Trabalho Rui Ferreira dos Santos, do Rio Grande do Sul, que “teria feito críticas de natureza político-partidária sobre vídeo compartilhado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, convocando a população para um ato contra o Congresso Nacional”.
No Pedido de Providências, Martins abriu prazo de 60 dias para que a corregedoria regional apresente os resultados da apuração dos fatos à Corregedoria Nacional de Justiça.
A AJD (Associação Juízes para a Democracia) divulgou nota pública em que atribui à decisão do corregedor nacional mais um ato de censura imposto à magistratura.
A associação de juízes critica “o silêncio seletivo do CNJ em relação a condutas de magistrados que têm abertamente defendido o atual governo ou mesmo participado de atos político-partidários”.
“A Constituição da República garante o direito à liberdade de expressão sem excepcionar agentes públicos”, argumenta a AJD.
O juiz Rui Ferreira dos Santos é vinculado ao Tribunal Regional do Trabalho de 4ª Região (Rio Grande do Sul). Atua na 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
O CNJ e a AJD não divulgaram os termos da manifestação do magistrado publicada no Facebook.
A seguir, a notícia divulgada pelo CNJ e a Nota Pública da AJD:
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Corregedor determina apuração sobre postagem de juiz do Trabalho
O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou, de ofício, pedido de providências para que a Corregedoria Regional do Trabalho do TRT da 4ª Região apure suposta manifestação na rede social Facebook realizada pelo juiz do Trabalho Rui Ferreira dos Santos.
De acordo com a decisão, chegou ao conhecimento da Corregedoria Nacional de Justiça a existência de publicação postada pelo magistrado, na qual Rui Ferreira dos Santos teria feito críticas de natureza político-partidária sobre vídeo compartilhado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, convocando a população para um ato contra o Congresso Nacional.
Assim, o ministro Humberto Martins destacou que, caso o juiz do Trabalho tenha feito a manifestação, ela caracteriza, em tese, conduta vedada a magistrados, tanto pela Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, III; quanto na Loman, artigo 36, III.
Além disso, a proibição também está prevista no artigo 4º, II, da Resolução CNJ n. 305/2019.
Com a instauração do pedido de providências, foi aberto prazo de 60 dias para que a corregedoria regional apresente os resultados da apuração dos fatos à Corregedoria Nacional de Justiça.
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NOTA PÚBLICA – AJD CONTRA A CENSURA
A AJD – Associação Juízes para a Democracia já se manifestou inúmeras vezes sobre a censura que vem sendo imposta à magistratura, notadamente com a edição da Resolução 305/2019 do CNJ.
No último dia 27, foi veiculada a notícia de que o Corregedor Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou, de ofício, pedido de providências para que a Corregedoria Regional do Trabalho do TRT da 4ª Região apure manifestação na rede social Facebook realizada pelo juiz do Trabalho Rui Ferreira dos Santos (https://www.cnj.jus.br/category/noticias/).
A postagem constitui livre expressão do pensamento do juiz acerca da atitude do Presidente da República, passível de configurar crime de responsabilidade na forma do art. 85 da Constituição, como aliás já referiu o ministro Celso de Mello: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2020/02/celso-de-mello-crime-bolsonaro/). O Presidente veiculou vídeo convocando para um ato “fora Maia e Alcolumbre” no próximo dia 15/3; um ato de provocação à ruptura da ordem constitucional.
À passividade das instituições diante de um tal ataque ao parlamento soma-se o silêncio seletivo do CNJ, em relação a condutas de magistrados que têm abertamente defendido o atual governo ou mesmo participado de atos político-partidários.
A história nos mostra que governos autoritários não se constroem apenas a partir dos desmandos de um grupo pequeno de pessoas. É preciso que diferentes órgãos de poder compactuem com a exceção, perseguindo quem ousa criticar.
A AJD defende e seguirá defendendo, de modo intransigente, a liberdade de expressão de todas as juízas e juízes que, como seres políticos, têm o direito fundamental de manifestar-se publicamente, contra ou a favor de fatos que interferem e interessam a quem vive em sociedade. Essa é a razão pela qual torna-se ainda mais insustentável a ação do CNJ, quando se apresenta como verdadeiro agente de censura seletiva, função que se aparta daquela para a qual foi criado.
A Constituição da República garante o direito à liberdade de expressão sem excepcionar agentes públicos.
A Resolução 305 extrapola até mesmo o conteúdo da Lei Orgânica da Magistratura, legado da ditadura civil-militar, e com isso viabiliza a perseguição política de quem ousa criticar um governo de absoluta exceção, reincidente na quebra de decoro e no desrespeito aos mais elementares direitos da população que o elegeu.
O Brasil está assistindo à deterioração diária do pacto democrático firmado com tanto sacrifício na segunda metade da década de 1980. A magistratura não pode nem deve calar quando estamos na iminência da completa ruptura institucional. Calar, em momentos como esse, implica compactuar com o golpe.
Estamos vinculados à Constituição da República e às leis que regem as condutas sociais. Nossa ordem jurídica nos impõe compromisso intransigente com os direitos fundamentais à liberdade de expressão, ao respeito às instituições públicas e à denúncia de atitudes ilegais.
A AJD seguirá denunciando a perseguição seletiva de quem se nega a assistir passivo à lógica de exceção cada vez mais flagrante em nosso país e exigindo que instituições como o CNJ atuem dentro dos parâmetros da ordem democrática de direito.
Brasil, 28 de fevereiro de 2020.