Facada Fest: charge de baixa qualidade está longe de ser crime, diz advogado
Sob o título “A que ponto chegamos!”, o artigo a seguir é de autoria de Rogério Tadeu Romano, advogado e procurador regional da República aposentado.
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O ministro da Justiça, Sergio Moro, recorreu ao Twitter nesta sexta-feira (28) para defender a abertura de um inquérito contra os organizadores de um festival de música punk pelo uso de cartazes contrários ao presidente Jair Bolsonaro.
Os responsáveis pelo Facada Fest são investigados pela suposta ocorrência de crimes contra a honra e de apologia do homicídio. A existência do inquérito foi divulgada pela Folha.
São alvo de investigação três cartazes que fazem menção a Bolsonaro.
Em um deles, o palhaço Bozo com uma faixa presidencial aparece empalado por um lápis. Em outro, o presidente surge caracterizado com o bigode do ditador Adolf Hitler e vomita fezes enquanto florestas e favelas pegam fogo.
Há um terceiro pôster em que a cabeça de Bolsonaro é decapitada por uma índia.
Na imagem, o presidente também usa um bigode de Hitler e porta uma suástica em sua testa.
“A iniciativa do inquérito não foi minha, mas poderia ter sido”, disse Moro. “Publicar cartazes ou anúncios com o presidente ou qualquer cidadão empalado ou esfaqueado não pode ser considerado liberdade de expressão. É apologia ao crime, além de ofensivo”, acrescentou.
O que é apologia de crime?
Trata-se de crime contra a paz pública a apologia do crime (artigo 287 do CP), forma de incitação indireta, sendo evidente que o elogio e a exaltação do crime constitui estímulo e sugestão a outras vontades débeis e propensas ao crime.
É crime fazer apologia, publicamente, de fato criminoso ou de autor do crime, defendendo, justificando, exaltando, aprovando ou elogiando de forma a estimular a repetição de uma prática criminosa. Assim diz o artigo 287 do CP:
Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa. Trata-se de mais um crime de menor potencial ofensivo, sobre o qual cabe a possibilidade de proposta de transação penal, nos termos do artigo 76 da Lei 9.099/95.
O crime de apologia consiste em elogiar, louvar, enaltecer, gabar, defender. O agente elogia o crime, como fato, ou o criminoso, o seu autor. Mas já se entendeu que não constitui o crime de apologia criminosa o fato de descrever o fato ou tentar justificá-lo, explicá-lo ou de ressaltar as qualidades reais ou imaginárias do criminoso, desde que não impliquem um elogio ao crime praticado, como bem disse Júlio F. Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, pág. 167). Assim não impede ou proíbe que alguém enaltece as qualidades, virtudes do autor do crime, que lhe empreste apoio moral.
O conhecimento de quem acha que houve crime na espécie, é anódino. Onde há crime de incitação ao homicídio?
Trata-se de aplicação burocrática do direito penal, sem qualquer índole valorativa. Trata-se, sim, de manifestação artística, ainda que de baixo conteúdo qualitativo.
Sobre elas eu não teria qualquer apreço valorativo. Mas dizer que é crime é algo de que muito se distancia sob o fulcro de uma Constituição-cidadã.
Contra o aspecto da afronta à honra é bom lembrar a esses censores que é comum a imprensa, através de desenhos criativos, formas de manifestação de pensamento, fazer abordagem criativas com relação a personalidades.
No Império, Dom Pedro II foi objeto de uma série de charges criativas. Na República Velha(1889-1930), diversos políticos foram alvo dessas manifestações.
Sob o império da Constituição de 1946, até 1964, era comum esse tipo de brincadeira. Getúlio Vargas, o maior ditador da história do Brasil, nunca conviveu com a crítica e disso é o exemplo o Estado Novo(1937-1945).
As sátiras e as charges não costumam atingir a honra, uma vez que já se valem do exagero, da ironia e da ambiguidade para veicular a sua crítica.
Isso é comum nessa atividade artística. Tanto é comum como os artistas desenharem personalidades políticas fazendo críticas, ainda que duras por conta de suas ideologias e suas ideias.