Fux mata no peito e quer a posse da bola na sucessão de Toffoli
Não será surpresa se o ministro Luiz Fux ocupar maior espaço no noticiário nos próximos meses, antes do final da gestão do ministro Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro.
A gestão do presidente do STF é curta, de apenas dois anos.
A cada troca de cadeiras no comando repetem-se articulações, encontros e desencontros, compromissos acertados com antecedência, consultas e indicações de auxiliares.
Esse ritual foi mantido por Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, quando assumiram o cargo mais elevado do Judiciário –conforme episódios citados a seguir.
Em julho de 2019, Fux já anunciava sua prioridade como presidente: “Quero garantir que a Lava Jato vai continuar”. Sua gestão deve fortalecer o grupo pró-Lava Jato, apesar das fortes resistências internas. Difícil apostar na quebra da tradicional linha sucessória.
Controvertido, o tema Lava Jato continua na ordem do dia, dentro e fora do Judiciário.
Sergio Moro e Fux estão entre os conferencistas na abertura de um curso para 100 magistrados sobre o tema “Corrupção e os Desafios do Juiz Criminal”, nesta quarta-feira (11), na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam, em Brasília.
Embora seu nome esteja no programa, Fux ainda não confirmou a presença.
Com Fux ou sem Fux, a Lava Jato estará nos debates. A conferência magna de encerramento será proferida pelo ministro Edson Fachin, relator dos processos da Lava Jato no STF.
A pauta de Fux para as próximas semanas inclui audiências públicas para debater a figura do juiz das garantias e outros pontos do pacote anticrime. Moro é o primeiro expositor.
Ao suspender a criação do juiz de garantias, Fux contrariou Toffoli, o presidente Jair Bolsonaro e membros do Congresso. Foi duramente censurado pelo ministro Marco Aurélio.
Dos 79 inscritos para as duas audiências, cerca de 30 são magistrados e dirigentes de entidades de juízes, aos quais o ministro Fux não costuma decepcionar, sensível aos pleitos corporativistas.
Em 2014, Fux concedeu liminar autorizando o pagamento de auxílio-moradia. Engavetou ações que discutiam o penduricalho. Somente revogou o benefício em novembro de 2018, numa decisão monocrática –ou seja, sem deliberação do plenário.
Fux aparenta ser mais assertivo do que Toffoli, desgastado com os vários desacertos de sua gestão. No momento em que o presidente Bolsonaro estimula manifestações populares contra o Legislativo e o Judiciário, Toffoli recorre a platitudes, num discurso conciliador:
“Nós, do Judiciário, estamos obrigados a esse dever de cumprir os direitos dos cidadãos brasileiros. O bem-estar deve ser sem preconceitos, sem ódios, sem rancores. Contra o ódio e a divisão só o amor, a fraternidade e a solidariedade. Ela é que pode salvar todos nós”.
A Universidade Harvard havia programado ouvir Fux em abril, evento cancelado devido ao avanço do novo coronavírus, informa o Painel da Folha. A academia já não deve estar muito interessada na pregação de Toffoli, que atribuiu a si próprio, indevidamente, a missão de pacificador dos três Poderes.
Dias atrás, executivos reunidos num hotel de cinco estrelas, no Rio, ouviram Fux falar sobre o descongestionamento do Judiciário com a mediação e conciliação em cartórios extrajudiciais. O encontro foi promovido pela revista Justiça & Cidadania, com apoio do 15º Cartório Ofício de Notas do Rio de Janeiro. No lobby (vale o duplo sentido), alguns convidados estavam interessados em saber os rumos do país na gestão do futuro presidente do STF.
As transmissões de cargo na presidência do STF são precedidas por entendimentos –alguns dos quais se frustram depois ou cumprem apenas a liturgia do ato.
O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, foi convidado por Toffoli para fazer a saudação elogiosa –em nome da corte– na cerimônia de posse. Um ano depois, num desentendimento durante uma sessão, Toffoli repreendeu Barroso –que rebateu com a mesma contundência.
Em maio de 2018, a então presidente do STF, Cármen Lúcia, concordou em conceder a este editor uma longa entrevista sobre sua gestão, que só se encerraria quatro meses depois. Ela aceitou a ponderação de que, no mês seguinte, a imprensa estaria mais interessada no que o sucessor, Toffoli, teria a dizer.
A reportagem concluiu que a crise política frustrara a pretensão da ministra de marcar sua gestão como o exercício da pacificação social (presunção que o sucessor herdou): “Coube a ela apaziguar ministros nos embates sobre a Lava Jato, belicosidade que minimiza”.
Àquela altura, Toffoli já devia estar costurando os primeiros atos de sua gestão.
Na esfera política, ele abriu as portas do STF à presença de militares, ao convidar, sem consulta aos pares, o general Fernando Azevedo, ex-chefe do Estado Maior do Exército, para atuar como assessor em seu gabinete.
Na área administrativa, ao presidir sua primeira sessão no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Toffoli aprovou –também sem maior debate– resoluções reformando o regimento interno.
Foram derrubadas barreiras que inibiam o uso político do colegiado e a quarentena que obrigaria alguns magistrados, entre eles amigos do presidente, a retornarem aos tribunais de origem.
Joaquim Barbosa abandonou a toga, ainda no exercício da presidência do STF, e antecipou a aposentadoria. Deve ter vislumbrado a desmontagem que o sucessor, ministro Ricardo Lewandowski, promoveria.
Meses antes da posse, circulou a informação de que o ministro oriundo do tribunal de justiça paulista trataria o CNJ a pão e água. Nos primeiros dias no cargo, Lewandowski tentou atribuir à gestão de Barbosa despesas elevadas com diárias e passagens de conselheiros e servidores do órgão. Barbosa comprovou que os dados não se sustentavam.
Lewandowski transformou o CNJ na “casa dos magistrados”, como ele próprio definiu. Engavetou dezenas de procedimentos e processos disciplinares contra juízes, numa gestão marcada por prepotência, corporativismo e falta de transparência.
Quando tomou posse como presidente do STF, o ministro Cezar Peluso esvaziou um conselho de notáveis –cientistas sociais, especialistas em planejamento para auxiliar o CNJ nas pesquisas—colegiado criado na gestão do antecessor, ministro Gilmar Mendes, que anos depois reproduziria o modelo no TSE.
Em resumo, a prática tem confirmado que dois anos de gestão são tempo reduzido para introduzir mudanças estruturais no Judiciário, mas é um período suficiente para desfazer a obra do antecessor.