Juízes que temem censura do CNJ no uso de redes sociais sofrem novo revés

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento a mandado de segurança impetrado pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra ) contra resolução do Conselho Nacional de Justiça, que pretende disciplinar o uso das redes sociais por magistrados. (*)

A Anamatra pediu a nulidade da Resolução 305, sob o argumento de que a medida configura abuso de poder, “severa hipótese de censura, afrontando o direito de manifestação de pensamento e de expressão”.

Mendes entendeu que a Anamatra “pretende, na realidade, a declaração da inconstitucionalidade do art. 3º e 4º, II, da Resolução 305 do CNJ, por suposta violação à Constituição Federal”. O ministro afirma que o STF já firmou orientação no sentido de que é incabível mandado de segurança contra lei em tese.

Ele registrou que esse foi o entendimento de Luiz Fux, em mandado de segurança sobre pagamento de diárias no Judiciário, e de Teori Zavascki, na contestação de resolução do CNJ contra a exposição de razões que levaram magistrado à declaração de suspeição.

Mencionou ainda ação de relatoria de Alexandre de Moraes que também questiona a resolução do CNJ, processo enviado à Procuradoria-Geral da República para parecer.

Fake news e eleição de Bolsonaro

A polêmica teve início em maio de 2019, quando o presidente do STF, Dias Toffoli, criou grupo de trabalho para avaliar o uso de redes sociais por magistrados. Toffoli considerou necessário preservar a imagem institucional do Judiciário. Sustentou que “o mau uso das redes sociais pode impactar a percepção da sociedade em relação à integridade do Poder Judiciário, causando máculas à prestação jurisdicional”.

Coordenado pelo então conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga, o grupo foi formado depois da frustrada tentativa do CNJ de punir magistrados que haviam se manifestado durante a campanha que elegeu o presidente Jair Bolsonaro.

A decisão gerou forte reação da magistratura. Toffoli também foi alvo de duras críticas por abrir inquérito para apurar fake news, e admitir a censura prévia.

“Fiquei perplexo, jamais teria a ousadia de aplicar uma regra dessas se estivesse na corregedoria”, disse Gilson Dipp, ex-corregedor nacional de Justiça.

“Diante de abusos, como as fake news, o CNJ tenta mostrar serviço de forma errônea, extrapolando sua competência”, disse Dipp. “É um exagero. Estão tratando a magistratura como jardim da infância, com essa cartilha”, afirmou o ex-corregedor.

“Estamos diante da possibilidade de cerceamento da liberdade de expressão dos juízes, predicado da cidadania, para além do que preconizam a Constituição Federal e a Loman [Lei Orgânica da Magistratura]”, disse o juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, do Recife.

Vaidades, seletividade e mordaças

“O CNJ pretende usurpar tema da Loman para atender egos e vaidades”, disse Farley Roberto Rodrigues de Carvalho Ferreira, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

“As redes sociais ameaçam a oligarquia que controla o Poder Judiciário e ela está escolhendo calar os demais magistrados. Eventuais excessos, que raramente ocorrem, não justificam a mordaça. O que justifica é o poder pelo poder e que o terror silencie os demais”, diz Ferreira.

“Juízes são sujeitos políticos e têm o direito de expressar suas opiniões e preferências. Nada disso compromete a imparcialidade”, afirmou Valdete Souto Severo, presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

“Saber o que pensam os juízes constitui uma garantia para a sociedade”, diz a magistrada. “A quem servem juízes amordaçados?”, perguntou.

O juiz de direito Marcelo Semer, ex-presidente da AJD, disse que “o grande perigo é a seletividade”.

“O CNJ não se dignou sequer a julgar o vazamento de dados sob sigilo praticado pelo então juiz Sergio Moro e hoje recomenda aos magistrados ‘evitar manifestações que evidenciem populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública’”, afirmou.

Apoios à resolução

A resolução foi elogiada pelo ministro Og Fernandes, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e atual corregedor-geral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

“Achei muito boa a regulamentação. Consolida vários regramentos sobre a conduta do juiz, em face de um terreno pantanoso, que são tais redes. Tem objetivo pedagógico, inclusive por envolver as Escolas Nacional da Magistratura e a do Trabalho”, disse o ministro.

O então conselheiro do CNJ Arnaldo Hossepian lembrou que a corregedoria do Ministério Público de São Paulo tem tido trabalho por causa das manifestações políticas de promotores, especialmente após o surgimento das redes sociais.

Em dezembro, o CNJ aprovou a resolução, por maioria. Sete conselheiros acompanharam o voto de Toffoli, que retirou da proposta original alguns dispositivos criticados pelas associações de magistrados.

O resultado representou uma derrota das associações de juízes, que, em assembleias realizadas previamente, recomendaram a não aprovação da resolução. Essa posição foi sustentada durante a sessão por Renata Gil, Fernando Mendes e Noemia Porto, presidentes, respectivamente, da AMB, Ajufe e Anamatra.

Ao abrir a divergência, o conselheiro Luciano Frota mencionou a inadequação técnica da resolução, que considerou “ordenatória”, com medidas compulsórias e texto com “redação dúbia”.

Frota disse que a resolução traz uma “regulamentação imperativa, que trafega na contramão dos direitos constitucionais”. Ele votou pela rejeição da resolução, por considerar que “há ofensa aos direitos fundamentais dos magistrados”.

A conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim –que foi vice-presidente da Ajufe e presidente da Ajufer– discordou do entendimento das entidades da magistratura que julgaram a resolução desnecessária.

Ela afirmou que o ideal seria que não houvesse necessidade de uma resolução, mencionou casos de dúvidas que chegam à corregedoria do órgão e registrou que Toffoli havia retirado os excessos do texto.

(*) MS 36.875