Senado teme Sergio Moro, e muda para não mudar, diz advogado

Sob o título “Senado x Supremo”, o artigo a seguir é de autoria do advogado e escritor José Paulo Cavalcanti Filho. O autor foi secretário-geral do Ministério da Justiça e ministro (interino) da Justiça, no governo do ex-presidente José Sarney.

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A Velha Política dá, mais uma vez, o ar de sua graça. E o Senado, com a intenção de mudar o Supremo, juntou três PECs (35/2015, 59/2015 16/2019). O que resultou num mostrengo como aquele “que está no fim do mar”, diria o amigo Fernando Pessoa (em Antemanhã, de Mensagem). E quer proibir o presidente da República de indicar futuros ministros. Por se tratar, segundo os Senadores, de modelo “excessivamente aberto e discricionário”. Esquecendo que os nomes, indicados pelo presidente, devem ser necessariamente avaliados pelo próprio Senado. Para, só depois, acabar nomeados.

Nos Estados Unidos, em modelo que inspirou Prudente de Moraes e Ruy Barbosa, ao redigir a Constituição de 1891, 12 indicações presidenciais à Suprema Corte já foram vetadas. Sem contar outras quatro que naufragaram antes mesmo de ser apresentadas. Entre elas, detalhe curioso, a de Douglas Ginsburg. Em 1987. Por se tornar público que havia fumado maconha, depois dos tempos da Universidade. Enquanto, no Brasil, foram só quatro. E todas no distante governo de Floriano Peixoto (1891-1894). Por não serem advogados.

Em resumo, o Senado quer mudar um sistema que só não funciona tão bem porque o próprio Senado falha no seu papel.

A proposta é uma lista tríplice, a ser apresentada ao presidente da República. Um nome pelo Supremo. Mais um, pela Procuradoria Geral da República. E, o último, pela OAB. Celebrando nossos bem conhecidos acordões parlamentares. Politizando ainda mais o processo. E apostando no corporativismo.

Querem, agora, estabelecer mandatos. Reproduzindo o que ocorre em Alemanha, 12 anos. Espanha, França, Itália, Portugal, 9. Colômbia, 8. Dinamarca, 6. Enquanto outros países não têm prazo certo. Com aposentadoria por idade (entre eles Brasil, 75 anos). Ou nomeações vitalícias – como Canadá e Estados Unidos. No substitutivo, prevendo-se mandato de dez anos para o Brasil. E isso não tem resolvido nada, nesses países. Nenhum está plenamente satisfeito com seus processos de escolha. Tudo sugerindo que melhor seria não mudar nada, por aqui.

E nem se invoque experiências dos demais países. Por não haver, no planeta, um padrão único.

No Canadá, por exemplo, só podem ser escolhidos membros de Cortes Superiores. França, alternadamente, indicados por Senado e Câmara. Espanha, 4 pelo Senado, 2 pelo Governo e 2 pelo Poder Judiciário. Portugal, 3 por Juízes de Relação, mais um pelo Ministério Público e, o último, por advogados.

Na Itália, 1/3 pelo Presidente da República, 1/3 pelo Parlamento e 1/3 pelas Cortes Superiores. Alemanha, metade pela Câmara (Bundestag) e metade pelo Senado (Bundeswrat). Israel, indicação por um colegiado (3 membros do Supremo, 2 do Governo, 2 Deputados, 2 da OAB). Chile, a Corte indica 5 nomes e o presidente escolhe um deles. Inglaterra, todos pela House of Lords. Longe de Argentina, Estados Unidos, Noruega, Turquia e Brasil, onde o Presidente da República livremente escolhe. E o Senado confirma. Não há modelo a ser copiado, pois.

Caso desejassem mesmo mudar, melhor seria converter o Supremo em uma corte apenas constitucional. Em vez do que é, hoje, instância revisora do Poder Judiciário. Reproduzindo o Poder Moderador do Imperador Pedro II.

Para uma pálida noção dessa incapacidade em julgar como uma Corte, o Supremo dos Estados Unidos julgou, ano passado, 80 casos. França, também 80. Alemanha, 82. Inglaterra, 90. Enquanto, no Brasil, há 31.009 processos pendentes (Supremo em números). É insensato.

Só em 2017 (último ano com estatísticas disponíveis), o ministro Fachin decidiu, monocraticamente, 8.820 casos. Assim nos Estados Unidos, a Corte inteira julga 80. Enquanto no Brasil um ministro, sozinho, 8.820. Isso é que tem de mudar. Sem esperanças de que algo aconteça, nesse caminho. Infelizmente.

Para encerrar, e como não poderia deixar de ser, o projeto ainda tem uma jaboticaba decididamente brasileira. Que poderíamos chamar de “Cláusula Anti-Moro”. Contida no Parágrafo 8º, acrescentado ao artigo 101 da Constituição, na redação do Substitutivo. Ao estabelecer que “Os ministros do Supremo são inelegíveis, para qualquer cargo eletivo, até 5 anos após o término do mandato”.

Como se dissessem nossos bravos Senadores, ao ministro Sergio Moro, algo assim: A gente o nomeia para o Supremo. Só que você não pode ser candidato a presidente da República. Por quê? A razão é simples. O Senado, e todos que conformam a elite da Velha Política, morrem de medo de Moro.

No fundo, é isso.