Juiz federal critica hostilidade da entidade nacional ao governo Bolsonaro

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) deverá escolher no dia 2 de abril os magistrados que vão dirigir a entidade no próximo biênio, sucedendo a administração comandada pelo juiz Fernando Marcelo Mendes, titular da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo.

Não há notícias sobre a eleição no site da associação, que congrega todos os magistrados da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, bem como os ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Sob o título “A reconstrução da magistratura federal“, o artigo publicado abaixo é de autoria do juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio, de Goiás. Ele é membro da chapa de oposição, pela qual disputa o cargo de secretário-geral.

Pauperio diz que a Ajufe assumiu “uma clara postura de hostilidade ao atual governo”, e aderiu a uma “incômoda agenda ideológica”. No seu entender, essa “politização velada” não agradou aos juízes federais, “em sua maioria, pessoas comuns do povo, com valores conservadores próprios da magistratura”.

O juiz entende que a vocação das entidades classistas da magistratura é ser apartidária, o que garante ampla interlocução com o Legislativo e o Executivo e permite “avançar nas propostas de melhoria da carreira e de preservação da dignidade remuneratória dos juízes”.

Concorrem à sucessão de Fernando Mendes os juízes Eduardo André de Brito Fernandes (da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro) e Mônica Lúcia do Nascimento Frias (da 2ª Vara Federal de São Pedro da Aldeia – RJ).

Eduardo Fernandes encabeça a chapa “Resgate e Luta”, da situação. Ele é primeiro secretário da atual diretoria. Mônica Nascimento lidera a chapa “Reconstrução e Valorização”, da oposição.

Na apresentação da chapa, ela diz representar “a voz de todos os magistrados que desejam uma Ajufe mais focada nos nossos direitos e prerrogativas, no papel essencial da nossa associação, que há um tempo vem sendo relegado”.

Pauperio foi presidente da Ajufer (Associação dos Juízes Federais da 1ª Região). Em sua gestão, a entidade ingressou na Justiça como assistente de acusação em dois processos criminais movidos contra magistrados ex-presidentes da própria entidade.

Entre 2000 e 2009, como a Folha revelou, a Ajufer obteve empréstimos da FHE (Fundação Habitacional do Exército) por meio de contratos fictícios, usando dados cadastrais de magistrados que desconheciam a fraude.

O juiz vê com naturalidade o fato de o processo sucessório não ter sido noticiado pela Ajufe: “É porque não divulgam muito as eleições para fora da carreira”.

O Blog ofereceu espaço à atual diretoria da Ajufe para contestar o artigo de Pauperio.

Eis a íntegra do texto:

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A reconstrução da magistratura federal

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) elegerá, no próximo dia 2 de abril, a sua nova diretoria. A escolha do grupo que comandará a maior entidade de juízes federais do país, com aproximadamente dois mil associados, se dará no contexto da polarização política que caracterizou as eleições presidenciais passadas e o primeiro ano do governo do Presidente Jair Bolsonaro.

Os juízes federais brasileiros, que sofreram uma acentuada redução em sua remuneração, direitos e prestígio social, sendo hoje alvos de constantes críticas de diferentes setores da sociedade, começam a compreender que só com interlocução apartidária e neutralidade política é que a necessária reconstrução da carreira poderá acontecer.

A necessidade dessa reconstrução é evidente. Os maiores interessados são os advogados e a sociedade. Porque nada é pior para um advogado com uma causa justa para defender, ou para o cidadão carente de justiça, do que juízes desassistidos e com medo, e muitos assim estão, além de doentes e desesperançosos.

Infelizmente, a Ajufe assumiu, à semelhança da OAB e de outras entidades classistas, uma clara postura de hostilidade ao atual governo, através de uma sequência de críticas, na forma de notas oficiais e outras manifestações, ao tempo em que também aderiu a uma incômoda agenda ideológica.

Jamais a entidade esteve tão colaborativa com pautas alheias ao centro do trabalho associativo, o que a aproximou de outras entidades com atuação flagrantemente políticas e que fazem oposição radical ao governo.

A Ajufe, rompendo com a sua tradição de neutralidade e discrição, assinou notas conjuntas com entidades envolvidas em temas polêmicos, que defendem abertamente pautas que sequer foram apresentadas aos juízes federais, e muito menos submetidas a consulta, como a legalização das drogas no país, aborto, desencarceramento em massa, além de uma exagerada defesa da agenda de gênero e sexual.

É fato que essa condução não agradou aos integrantes da carreira, e nesses anos recentes quase dez por cento abandonaram a entidade.

A reclamação é de que não consultou os associados quando decidiu adentrar por uma linha política minoritária entre os juízes federais, que são, em sua maioria, pessoas comuns do povo, trabalhadoras e pais e mães de família, com valores conservadores que são historicamente próprios da magistratura. E assim perdeu capacidade de interlocução política de alto nível e a aderência dos pares, passando a falar sozinha em nome de uma minoria, e se mostrando desacostumada a ouvir e conduzir os trabalhos de maneira democrática.

Para superar esse cenário de politização velada, a solução obviamente também não será a de uma adesão a governos.

Os governos depois de um tempo passam, com suas falhas e acertos. As carreiras de Estado permanecem, com espaço institucional garantido e sua importância para o equilíbrio do sistema de justiça e de garantia dos direitos do cidadão. O legado das carreiras de Estado é a história da sua permanente contribuição à vida social e política da nação.

Por isso mesmo, a vocação das entidades classistas da magistratura é ser apartidária, pois só assim poderão garantir a mais ampla e permanente interlocução com os Poderes Legislativo e Executivo, de cuja aprovação e boa vontade política dependem para avançar nas propostas de melhoria da carreira e de preservação da dignidade remuneratória dos juízes.

Mas não é só isso. Uma boa interlocução apartidária e neutralidade política também podem garantir uma maior participação nos destinos do país. Pela larga experiência que têm, decorrente de um constante e rico contato com os mais diversos setores da sociedade brasileira, os juízes federais podem colaborar decisivamente com o contínuo aperfeiçoamento do sistema de justiça e da legislação. São observadores sociais por excelência, com elevado grau de preparação e vocação técnica.

Este sentimento já existe nos juízes federais brasileiros. Há uma clara percepção de que deste ano de 2020 em diante, o país viverá uma extraordinária oportunidade de mudanças estruturais. Será o momento de corrigir algumas falhas no sistema desenhado em 1988 e complementado nos anos posteriores, fazendo ajustes necessários, de modo a remodelar a Justiça brasileira para que seja mais inteligente, célere, eficiente e econômica.

Na crise podem ser encontradas boas oportunidades de reconstrução. O país precisa de uma magistratura forte, equilibrada e imparcial. É tempo de renovação.