Gilmar pode usar decisão de conselheiro para justificar intervenção de Aras
O conselheiro Valter Shuenquener, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), extinguiu Procedimento de Controle Administrativo instaurado para impugnar duas portarias de Augusto Aras, procurador-geral da República. (*).
Em fevereiro, Aras alterou o estatuto do órgão e interrompeu os mandatos em exercício de 16 conselheiros e coordenadores da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU).
A decisão de Shuenquener deve repercutir no julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº653) ajuizada no STF pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que questiona as mesmas decisões de Aras. O relator é o ministro Gilmar Mendes.
Shuenquener entendeu que não é atribuição constitucional do conselho controlar os atos praticados pelo procurador-geral da República. Considerou não haver irregularidade na alteração estatutária e, tampouco, direito para a manutenção dos mandatos que os requerentes ostentavam.
“É notório e sabido que o procurador-geral da República possui as mesmas prerrogativas e tratamento dispensado aos ministros do Supremo Tribunal”, registrou o conselheiro.
Shuenquener afirmou que quem decide sobre quem será agraciado e edita sozinho o ato de nomeação é o procurador-geral da República. “Trata-se de ato simples unipessoal, e não de ato complexo, como se alega”.
A título de mostrar que a destituição de mandatos em curso não é inédita, citou a interrupção de mandato, em setembro de 2019, do procurador do Trabalho Carlos Eduardo Carvalho Brisolla, que ocupava o cargo de diretor-geral adjunto da ESMPU.
Segundo O Globo informou na ocasião, a revogação da nomeação de Bisolla foi resultado de um pente-fino realizado na gestão do PGR interino, Alcides Martins, quando as equipes de Martins e Aras começaram a rever nomeações feitas pela antecessora, Raquel Dodge.
Shuenquener é juiz federal e ocupa a vaga do STF no conselho. Foi juiz auxiliar e juiz instrutor no gabinete do ministro Luiz Fux.
Nesta segunda-feira (23), Shuenquener determinou que o CNMP envie ofício com cópia de sua decisão, “com as homenagens de praxe”, ao ministro Gilmar Mendes, relator da ADPF nº 653, “a fim de que Sua Excelência possa conhecer sobre o que decidido neste processo que versa sobre o mesmo tema de fundo”.
A ANPT havia pedido liminar para suspender os efeitos de duas portarias de Aras, alegando que as medidas tomadas pelo procurador-geral violam o preceito fundamental da autonomia e da chefia republicana do Ministério Público da União.
A arguição foi distribuída a Gilmar Mendes no dia 20 de fevereiro. Desde então, a ação aguarda despacho do ministro, que não pediu informações ao procurador-geral da República, interessado na ação.
O novo diretor da ESMPU nomeado por Aras é o subprocurador-geral Paulo Gustavo Gonet Branco, ex-sócio de Gilmar Mendes no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e membro do corpo docente do instituto. Mendes não se julgou impedido para julgar a ação.
A interferência de Aras na ESMPU foi vista como uma tentativa autoritária de aparelhamento da escola que cuida da profissionalização de procuradores e servidores do Ministério Público da União. Aras havia afirmado que existia uma “linha de doutrinação”, um alinhamento à esquerda.
Na ocasião das mudanças, a Procuradoria-Geral da República informou que as alterações no estatuto “são oportunas por acontecerem num contexto de troca de liderança”. “Com a posse do novo diretor e diretor-adjunto, optou-se pelo retorno à previsão legal original, na qual não há mandato para os integrantes da cúpula da escola.”
Segundo a assessoria da PGR, a lei que criou a escola, em abril de 1998, determina que a instituição seja diretamente vinculada ao procurador-geral da República e não prevê mandatos para os coordenadores e conselheiros do órgão.
(*) Procedimento de Controle Administrativo nº 1.00109/2020-34.