Gilmar aprova intervenção de Aras na Escola do Ministério Público da União
O ministro Gilmar Mendes indeferiu pedido para suspender duas portarias do procurador-geral da República, Augusto Aras, que alteraram o estatuto da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e afastaram conselheiros e coordenadores da instituição. (*)
Em janeiro, Aras ignorou normas internas e interrompeu os mandatos em exercício de 16 conselheiros e coordenadores da ESMPU sem prévia comunicação.
Reportagem da Folha revelou a interferência autoritária do PGR, considerada uma tentativa de aparelhamento da escola que cuida da profissionalização de procuradores e servidores do Ministério Público da União. Aras havia afirmado que existia uma “linha de doutrinação”, um alinhamento à esquerda.
A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT questionou a decisão, no Supremo Tribunal Federal, por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
A entidade sustentou que Aras violou o princípio da autonomia e chefia republicana do MPU. Alegou que a escola é órgão autônomo, de acordo com a Lei 9.628/1998.
A ADPF foi ajuizada no dia 20 de fevereiro. A decisão de Gilmar Mendes é do dia 26 de março.
“Reserva de administração”
Gilmar Mendes levantou dúvidas sobre a legitimidade da ANPT para impugnar os atos do PGR, “uma vez que representa apenas parte da categoria afetada”.
“É muito difícil indicar, a priori, os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave”, afirmou o ministro. “O caso da presente arguição claramente não se enquadra na hipótese de ofensa direta à Constituição”.
Segundo Mendes, “embora a autonomia funcional e administrativa do Ministério Público possa ser entendida como preceito fundamental, não verifico sua relação com a norma impugnada, que trata da organização e funcionamento de órgão interno do Ministério Público da União, vinculado ao Procurador-Geral da República”.
Compete ao PGR, diz o relator, “indicar e nomear os membros que compõem o Conselho Administrativo, nos termos da lei”.
“A lei que regulamenta a criação e o funcionamento da Escola nada estabelece quanto a mandatos para os membros do Conselho Administrativo, apenas dispõe caber ao PGR nomear os membros”, registrou o relator.
Mendes considera importante como exercício da autonomia do MPU uma espécie de “reserva de administração” ao chefe do órgão, de modo que o novo dirigente não seja “governado” pelo anterior –poder equivalente ao conferido ao presidente da República para escolher seus ministros.
Destituição inédita
A primeira portaria de Aras alterou dispositivos do estatuto da escola sem a participação do Conselho Administrativo, suprimindo a garantia de prazo determinado para os mandatos de conselheiros.
A segunda exonerou toda a composição do Conselho Administrativo com mandato vigente e os coordenadores de ensino.
O ato de Aras é inédito, ainda segundo a reportagem. A escola foi criada em 1998, mas efetivamente instalada em 2000. Em 2004, o estatuto instituiu a previsão de mandato para diretores, conselheiros e coordenadores por dois anos prorrogáveis por mais dois.
A figura do mandato sempre foi mantida e nenhum procurador-geral destituiu integrantes do conselho ou da coordenação que ainda tivessem tempo a cumprir na escola.
A mudança foi vista por ex-dirigentes da escola e integrantes de braços do MPU como uma interferência autoritária que tem como objetivo doutrinar a instituição.
“Toda e qualquer atitude pessoal do procurador-geral, revogando mandatos em curso, tem claro viés autoritário”, afirmou o ex-PGR Claudio Fonteles.
Com a extinção dos mandatos, o procurador-geral da República pode destituir a qualquer tempo membros do conselho administrativo.
No dia 23 de março, o conselheiro Valter Shuenquener, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), extinguiu Procedimento de Controle Administrativo instaurado para impugnar as duas portarias de Aras.
Shuenquener entendeu que não é atribuição constitucional do conselho controlar os atos praticados pelo procurador-geral da República. Considerou não haver irregularidade na alteração estatutária e, tampouco, direito para a manutenção dos mandatos que os requerentes ostentavam.
O conselheiro determinou o envio de cópia da decisão ao ministro Gilmar Mendes, mas não há menção no despacho do relator no STF.
O novo diretor da ESMPU, nomeado por Aras, é o subprocurador-geral Paulo Gustavo Gonet Branco, ex-sócio de Gilmar Mendes no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). Entre outras atividades registradas no currículo Lattes, Gonet é professor e coordenador do mestrado acadêmico do IDP. Mendes é docente permanente do IDP.
O ministro não se julgou impedido para atuar como relator.
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(*) ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 653