Aras reforça presença militar no conselho do Ministério Público

O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeou o procurador de Justiça Militar Jaime de Cassio Miranda para exercer o cargo de secretário-geral do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A partir desta segunda-feira, Miranda vai substituir o procurador regional da República Maurício Rodrigues, membro do Ministério Público Federal. Rodrigues foi exonerado e rebaixado no mesmo ato, tendo sido nomeado para o cargo de secretário-geral adjunto.

O mandato de Miranda como procurador-geral militar encerra-se neste domingo. Para substituí-lo, Aras nomeou, no último dia 27, o subprocurador-geral da Justiça Militar Antonio Pereira Duarte.

Ao contrário de Aras, que não submeteu seu nome à aprovação da categoria, Duarte foi o mais votado, escolhido em lista tríplice na 15ª eleição para procurador-geral da Justiça Militar.

O cargo de secretário-geral do CNMP nunca foi ocupado por membro do Ministério Público Militar. Miranda ingressou no MPM em outubro de 1999, após aprovação em concurso público para Promotor de Justiça Militar. A primeira lotação foi na Procuradoria de Justiça Militar em Brasília.

Em linguagem militar, a mudança foi interpretada como mais um alinhamento do PGR ao estilo do presidente Jair Bolsonaro, que promoveu uma rápida militarização do Poder Executivo.

Aras defende a nomeação de Miranda. “A unidade do Ministério Público brasileiro se faz com igualdade de oportunidades entre os membros de todos os ramos da instituição, concretizando o ideal republicano e rejeitando discriminação”, afirma o PGR.

O Ministério Público Militar possui uma vaga no CNMP, atualmente ocupada pelo conselheiro  Marcelo Weitzel Rabello de Souza.

Unidade e ordem unida

Há dois princípios básicos no Ministério Público: a unidade e a independência funcional. Teme-se que o conceito de unidade venha a ser substituído pelo de ordem unida, cujo objetivo, ainda na linguagem militar, é “desenvolver o sentimento de coesão e os reflexos de obediência, como fatores preponderantes na formação do soldado”.

Há duas leituras na troca do secretário-geral do CNMP: a nomeação seria uma retribuição ao apoio dado por Miranda quando a escolha de Aras, por Bolsonaro, para suceder a Raquel Dodge foi duramente criticada por membros do MPF.

Em setembro de 2019, Miranda publicou nota de aprovação à indicação de Aras, ao mesmo tempo em que insinuava oferecer seus préstimos: “o Ministério Público Militar certamente estará à disposição para contribuir com o aperfeiçoamento da administração e com o cumprimento das atribuições constitucionais do Ministério Público”.

A outra hipótese, mais remota, seria a preparação do nome de Miranda para eventual indicação, mais adiante, para o cargo de PGR.

Nas vésperas da escolha de Aras, o então procurador militar fez lobby para ocupar a cadeira de Dodge. Em ofício enviado ao Planalto e ao Senado, disse que “desde a Constituição de 1988, apenas membros do MPF ocuparam a Procuradoria-Geral da República”.

Sua pretensão foi fulminada pelo então presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), José Robalinho Cavalcanti, que também concorreu ao cargo.

Robalinho considerou “oportunista” a iniciativa de Miranda, uma “tese absurda de propor um Ministério Público Federal sob a direção de um usurpador/interventor externo”.

“A Constituição é clara e cristalina em que o indicado sairá não das ‘carreiras’ do Ministério Público da União (plural: o MPU não tem uma só carreira, e sim quatro diferentes carreiras, não intercambiáveis) e sim de uma ‘carreira’ no singular”, disse Robalinho.

Flerte com a caserna

Recém-empossado, Augusto Aras escolheu o general Roberto Severo para a função de Assessor Especial para Assuntos Estratégicos da PGR, com a missão de abrir a caixa-preta do órgão (no Diário Oficial, ele foi apresentado como Doutor em Ciências Militares).

Severo ficou poucos dias no cargo. A imprensa atribuiu sua saída ao fato de ele não ter o aval de Bolsonaro, embora tenha sido indicado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão.

Aras levou para a PGR Andrea da Costa Oliveira, que foi sua assessora-chefe no gabinete de subprocurador, requisitada do Superior Tribunal Militar.

Muito antes de ser escolhido PGR, Aras já flertava com a caserna, ao defender a ideia de uma “democracia militar”.

“Historicamente na Grécia a democracia era militar. A exemplo da história americana, no Brasil os primeiros dois presidentes, marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, eram militares. A disruptura é uma transformação e nessa transformação a democracia militar é uma opção democrática”, afirmou em maio de 2019.

Em entrevistas, na época, Aras criticava o MPF. Pretendia, se fosse escolhido, “superar o aparelhamento em seus órgãos”.

Aras faz hoje o que criticava ontem. Ele está aparelhando o MPF com a escolha de membros com perfil semelhante ao seu.

É o caso, por exemplo, do subprocurador-geral da República aposentado Eitel Santiago, convidado por Augusto Aras para o cargo de secretário-geral da PGR.

Santiago criticava a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e, assim como Aras, valorizava a votação paralela feita por servidores do Ministério Público Federal.

Filiado ao então PFL (Partido da Frente Liberal), que depois mudou de nome para DEM (Democratas), Santiago foi candidato a deputado federal pela Paraíba, em 1994. Obteve 19.875 votos, ficando na suplência.

Santiago interrompeu a carreira no Ministério Público para assumir a Secretaria de Segurança Pública da Paraíba na administração de Cássio Cunha Lima (PSDB). Retornou à Procuradoria quando o mandato do governador tucano foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Augusto Aras também condenava o fato de que “um único grupo venha se perpetuando na gestão, na direção da instituição a partir das exatamente práticas majoritárias eleitorais, que são o fisiologismo e o clientelismo”.

“O procurador-geral da República tem de preservar um dos princípios da administração pública, que é a impessoalidade”, afirmou antes de assumir o cargo.

Escolha pessoal

Augusto Aras levou para a PGR o primo Vladimir Aras, que foi braço-direito do ex-PGR Rodrigo Janot, em cuja gestão atuou como secretário de Cooperação Jurídica Internacional da PGR.

Vladimir disputou a indicação pela lista tríplice da ANPR em 2019 e não foi classificado. Para alguns colegas, sua entrada na equipe do primo não foi surpresa.

Antes da eleição de Augusto, Vladimir afirmava só admitir candidatura a  PGR por meio da lista tríplice. Concorreu e não ficou entre os mais votados.

Quando o primo foi escolhido por Bolsonaro, Vladimir defendeu a indicação em mensagens trocadas com integrantes do MPF, conforme revelou a revista Crusoé.

“Falo aqui apenas em meu nome –e muito mais por dever de gratidão do que por laços familiares– devo-lhes dizer sobre a pessoa que conheço há décadas: o nosso novo PGR é um homem generoso, de espírito público e com trajetória sempre correta, tanto no MPF quanto na advocacia”.

Vladimir Aras discordava de propostas para tentar obter a rejeição do primo no Senado.

Quando Raquel Dodge propôs que processos relevantes fossem “conduzidos por procuradores escolhidos a dedo pela cúpula da instituição”, Vladimir Aras defendeu a independência funcional do MPF, mencionando valores da tropa.

“Como a honra e a disciplina para as organizações militares, a independência funcional é um valor institucional do Ministério Público. E não tem preço”, afirmou Vladimir.

Em entrevista ao site Conjur, Augusto Aras disse que o primo “está colaborando com a Lava Jato, embora a imprensa diga que não está”.

Vladimir aderiu à equipe de Augusto quando o atual PGR substituiu –a pedido– o então coordenador do grupo da Lava Jato na PGR, subprocurador-geral José Adonis Callou de Araújo, pela subprocuradora-geral Lindora Maria Araújo.

Na mesma entrevista, Augusto Aras disse que o primo “está preparando, a meu pedido juntamente com outros colegas, um manual de delação premiada”.

Vladimir estuda o assunto há muito tempo. Mas um membro da força-tarefa de Curitiba minimiza a importância das novas tarefas de Vladimir. Diz que o MPF faz colaboração premiada há mais de 15 anos com sucesso. E cita uma orientação conjunta [01/2018] das câmaras criminais sobre colaboração premiada.

Desde que foi acolhido na equipe de Augusto Aras, o primo Vladimir tem evitado comentar a decisão. Procurado pelo Blog, afirmou se sentir impedido por causa do parentesco.

Silêncio obsequioso

Seguindo o modelo presidencial, Aras tem feito sucessivas mudanças na equipe. Em comum, os afastados guardam uma espécie de silêncio obsequioso.

Em março, Aras assinou portaria dispensando –a pedido– o subprocurador-geral da República José Bonifácio Borges de Andrada da função de vice-procurador-geral. A decisão surpreendeu os membros do Ministério Público Federal.

Na sucessão de Raquel Dodge, Andrada disputou o cargo de procurador-geral submetendo o seu nome à lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

Em fevereiro, Augusto Aras ignorou normas internas, mudou um estatuto e interrompeu os mandatos em exercício de 16 conselheiros e coordenadores da Escola Superior do Ministério Público da União.

A interferência autoritária foi vista como uma tentativa de aparelhamento da escola que cuida da profissionalização de procuradores e servidores do Ministério Público da União.

O conselheiro Valter Shuenquener, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), extinguiu Procedimento de Controle Administrativo instaurado para impugnar duas portarias de Aras. Shuenquener entendeu que não é atribuição constitucional do conselho controlar os atos praticados pelo procurador-geral da República.

Considerou não haver irregularidade na alteração estatutária e, tampouco, direito para a manutenção dos mandatos que os requerentes ostentavam.

No último dia 6, o ministro Gilmar Mendes, do STF, indeferiu pedido para suspender as duas portarias de Aras.

Acredita-se que Aras deverá fazer novas mudanças nos próximos meses, colocando em posições estratégicas pessoas afinadas com seu projeto –ou à imagem e semelhança de seu chefe, o presidente Bolsonaro.

Em meados de maio, termina o mandato da subprocuradora-geral da República Deborah Duprat à frente da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).

O órgão tem a missão de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal.

Daqui a dois meses haverá a renovação de todas as sete câmaras temáticas do MPF. A julgar como tem procedido, Augusto Aras deverá escolher substitutos alinhados com suas convicções.

Ou seja, também fará aparelhamento, prática que dizia condenar.